sexta-feira, 1 de junho de 2012

Quem formamos em uma graduação em filosofia?


Definitivamente, eu não sou do tipo que sacraliza a palavra "filósofo". Quer dizer, eu não ensino aos meus alunos que os filósofos constituiriam uma casta de gênios ou semi-deuses, apartada do comum dos mortais, cabendo então àqueles mortais que se colocam como alunos de cursos de filosofia o papel de sacerdotes que fariam a intermediação entre os leigos e os iluminados. Não, filósofo, para mim, é qualquer um que se ponha consistentemente a elaborar um sistema claro e bem articulado de posições a respeito de um certo conjunto de questões reflexivas sobre os princípios e valores comumente aceitos em um ou mais dos diversos campos do saber; ou ainda, filósofo também pode ser aquele que meramente saiba formular questões do tipo. Pensando assim, naturalmente, eu incentivo meus alunos a se arriscarem e perseguirem o ideal de, um dia, formularem sua própria filosofia, que, afinal, para merecer esse nome, não precisa apresentar alguma tese inédita capaz de revolucionar a história da humanidade.

Acontece que, dificilmente, ao final de uma graduação em filosofia, o estudante já progrediu o bastante para se apresentar como filósofo, mesmo no meu sentido minimalista. Com isso, eu fico pensando se um curso de filosofia deveria ser considerado um fracasso por causa disso. Concluo que não, porque, a bem da verdade, como sabiamente já reconheceu a própria ANPOF, filósofos nem sequer precisam de cursos formais de filosofia, da mesma forma que graduados em filosofia podem ser, mas não precisam ser filósofos.

Agora, o que se espera então de um graduado de filosofia? Eu pensava nisso há pouco e a pergunta, na verdade, sempre me ocorre quando corrijo avaliações de meus alunos do curso de filosofia. Eu acredito que não tenho o direito de cobrar dos meus alunos que eles já consigam se posicionar de modo autoral diante de um argumento filosófico. No entanto, tenho a convicção de que posso cobrar do meu aluno que ele seja capaz de produzir um texto, oral ou escrito, expondo minuciosa e precisamente um argumento filosófico apresentado por outro. Nesse sentido, fazer um curso de filosofia, não é fazer filosofia, mas é aprender a ler e escrever textos sobre filosofia.

Parece pouco. Alguns colegas dirão que tenho uma visão modesta e até medíocre sobre uma graduação em filosofia. Já eu me pergunto, toda vez que corrijo uma prova: este aluno saberia ensinar isto a alguém? É com tristeza, e uma boa dose de angústia, que, quase na maioria das vezes, respondo que não. Formar um aluno, muitas e muitas vezes, é então fazer a aposta de que ele conseguirá desabrochar como professor de filosofia em alguma parte de seu caminho. Por isso mesmo, até mais do que aquilo que se apresenta no aluno como uma competência adquirida, ao avaliarmos, vale que estejamos atentos para uma postura: o aluno deve entender que, no final das contas, é muito mais grave ser um professor de filosofia do que um filósofo. Professores, afinal, têm alunos...

2 comentários:

  1. Concordo com as asserções finais. Depois que sairmos da sala de aula e nos postarmos sobre o desafio de ensinar, muita coisa da faculdade ganha novo foco. Saber ler os textos é um passo importante, e me parece que deve sim ser um objetivo. Mas é somente o primeiro passo. Saber ler e assimilar para si, e depois mostrar essa assimilação no ensino do dia a dia, focando no outro, não mais em si. Este é o segundo passo, a formação de professores, não de leitores ou filósofos. Ainda mais se lembrarmos que nem todos darão aula na academia (eu incluso), e sim para alunos adolescentes que demandam o conhecimento de fato de uma pedagogia que lhes alcance. E aí, talvez, fosse necessário um maior foco da graduação. Saber aplicar o aluno só saberá na prática, mas se ele tiver os subsídios corretos oriundos da graduação o caminho poderia ser mais fácil.

    Obsrvações de um ex-aluno, hehe.

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    1. Eu concordo com vc. O problema é que o aluno chega à universidade tão mal preparado no que diz respeito às capacidades básicas de interpretar e produzir textos, que, como uma vez me disse um colega de outra universidade, nosso trabalho, como professores universitários de filosofia, acaba se reduzindo à tarefa de mastigar o texto para o aluno conseguir engolir. Daí, vc cobra do aluno uma redação minimamente coerente, de modo q nunca chega aquele momento em q vc discutiria com o aluno eventuais conexões entre os textos clássicos estudados, bem como questões q extrapolem a mera exegese, revelando q o aluno realmente dominou o q está em jogo. Por isso q eu me preocupo tanto com o q isso vai dar no ensino médio. Teoricamente, o professor de ensino médio deveria dominar os conteúdos com os quais trabalha melhor do q ninguém, afinal, mais do q ninguém, ele precisa saber explicá-los de modo simples e vivo. O problema é q, para formarmos esse profissional, nós precisaríamos receber os melhores alunos do ensino médio, quando, como sabemos, são exatamente os piores q procuram por cursos de licenciatura. Claro q há exceções, mas não se trabalha só com as exceções ;-)

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