quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Fazer concessões ou não, eis a questão!


Ontem, assisti ao vídeo acima, postado por um amigo nas redes sociais. Eu concordo com tudo que é dito nele e nem sequer pretendo colocar em pauta o seu conteúdo. O que ele me fez pensar é o seguinte: como Ron Paul pôde imaginar que venceria uma eleição presidencial com um discurso destes? Ele é tão burro assim? É claro, afinal, que, dizendo tais coisas, ele nem sequer conseguiria a indicação do seu próprio partido, pois, para muitos membros desse, os EUA são atacados, única e exclusivamente porque o mundo islâmico teria um compromisso de fé com a destruição da civilização ocidental. Muito bem, até independentemente de quem tem razão no debate sobre política externa, é claro para todos que qualquer discurso que coloque os EUA no papel de iniciador da violência não contará com muita simpatia e adesão entre os eleitores do país, muito menos quando se trata, primeiramente, de eleitores republicanos. Daí minha questão inicial: Ron Paul é burro a ponto de não ver isso e usar essa propaganda crítica em plena campanha presidencial?

Ora, naturalmente, minha pergunta é apenas retórica. Todos sabemos que Ron Paul apenas usou a campanha nas primárias do partido republicano para divulgar seus ideais libertários para um público maior. Com isso, ele levou a mensagem libertária a muitos jovens que nunca haviam sequer ouvido falar dessa doutrina, dado que não se pode dizer que ela tenha algum lugar seja na mídia mainstream seja nos currículos escolares. 

Bom, aqui vem a questão que eu de fato queria levantar com este post. Considerando a impopularidade da doutrina libertária e de suas implicações políticas, vale mais a pena que libertários façam concessões e caminhem para o centro, visando a construção de uma candidatura política minimamente viável em eleições majoritárias, ou que continuem meramente aproveitando os holofotes do palanque para divulgarem a doutrina em sua pureza filosófica? 

Eu sou pela última alternativa, porque a batalha política é, acima de uma batalha por cargos, uma batalha por corações e mentes que o libertarianismo já sai perdendo. Veja, como um singelo exemplo, o caso do canal de desenhos animados que anunciou estar retirando Tom & Jerry do ar por considerar o desenho politicamente incorreto. Ora, não se trata de uma medida imposta por um governo, mas sim do atendimento a uma demanda de mercado: o público quer o discurso politicamente correto. E esse é apenas um terreno onde os auto-denominados "progressistas" - que eu particularmente considero como "obscurantistas" - triunfam hoje em dia. A liberdade perde (ou deixa de ganhar) terreno em todos os domínios! Como recuperar esse terreno perdido, ou mesmo conquistá-lo onde ele nunca lhe pertenceu?

Eu digo que o ocupante de um cargo tem muito pouco a fazer aqui. Ele é apenas um joguete nas mãos de demandas populares manipuláveis e interesses escusos operando nos bastidores. A batalha a ser ganha, insisto, é a batalha por corações e mentes dos mais jovens! Por isso, eu vejo com preocupação a ausência de um político americano com um discurso radical como era o de Ron Paul no congresso. Aliás, tenho também que explicar por que isso me importa como brasileira.

O próprio "progressismo" brasileiro, na verdade, é made in USA. Até o anti-americanismo desse discurso foi importado de lá. Tudo que existe de pior no "progressismo" - como o feminismo radical, o movimento politicamente correto, etc... - é só discurso americano adaptado (às vezes, muito mal e porcamente) à realidade brasileira. É principalmente por essa razão que me interessa que o libertarianismo vença a batalha ideológica nos EUA, ou ao menos se converta em um player de peso no debate. Já há um tímido movimento de jovens libertários brasileiros, movimento que já incomoda o bastante aos auto-denominados "progressistas" para que eles se ocupem em desqualificá-lo. Esse movimento seria potencializado pelo crescimento do movimento libertário nos EUA. Naturalmente, os EUA têm esse poder de irradiar sua ideologia para o resto do mundo. Note, só como um exemplo, quantos acadêmicos estrangeiros frequentam suas universidades.

Mas seja aqui ou lá, o fato é que eu não vejo nenhum interesse para o movimento libertário, em fase de expansão, em fazer alianças com conservadores ou concessões centristas. Agora, é a hora de tornar nossos princípios mais conhecidos, e não de confundir o público misturando esses princípios a outros que não são apenas estranhos ao discurso libertário, mas até mesmo incompatíveis com ele. 

Alianças podem e devem ser feitas quando se trata de votar em matérias pontuais, sobre as quais, acidentalmente, princípios diferentes podem muito bem convergir. No entanto, jamais deve haver alianças doutrinais, a menos que se tenha em vista o poder pelo poder, sem ideologia alguma. E aí eu me pergunto: para o libertário enquanto tal, de que vale esse poder?


sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Libertários e a Caverna


A passagem da República em que Platão expõe o mito da caverna deve ser a mais popular da história da filosofia. Milênios depois, tanta gente ainda vibra com a ideia de uma transição das trevas da ignorância para a luz da sabedoria. Afinal, sempre queremos nos sentir especiais, não é mesmo? Nesse sentido, lembro que alguns dos meus jovens colegas de graduação em filosofia eram facilmente seduzidos pela opinião segundo a qual a massa compartilharia um senso comum que seria pura e simplesmente um amalgama de crenças falsas, enquanto eles estavam sendo iniciados em tantas verdades reservadas a poucos, como acontecera com os discípulos do próprio Platão na Academia original.

Kant me salvou disso por um tempo! Kant pertence a uma tradição oposta a de Platão, porque, para o primeiro, os conhecimentos mais importantes fazem parte de um bom senso natural. Não são acessíveis apenas a poucos iniciados que tenham passado pelos devidos ritos do saber. Kant julga que o filósofo não traz uma boa nova ao mundo. Ele apenas esclarece e procura justificar os princípios mais essenciais implícitos no conhecimento vulgar. Assim, Kant, nesse aspecto, pertence àquela boa tradição do empirismo inglês, que nada tem a ensinar, mas apenas a esclarecer e, no máximo, corrigir.

Eu sempre me orgulhei de pertencer a essa tradição também. Inclusive, eu sempre desprezei os marxistas, que são adeptos da tradição platônica nesse aspecto, por considerarem todos, exceto eles próprios, como alienados que não conheceriam a realidade por trás da fantasia armada para que não vejam seus grilhões. Enfim, eu nunca me julguei alguém que teria saído da caverna, descobrindo ter sido enganada em toda minha vida pregressa. Porém, confesso com pesar que essa minha auto-imagem tem mudado.

Refletindo sobre meu libertarianismo, eu me dou conta de que ele é adequado ao mito da caverna. Explico. Em primeiro lugar, o mito da caverna deixa claro que a caverna é uma prisão. Em segundo lugar, segundo o mito, o prisioneiro não sabe que está em uma prisão. Aqui, entra o elemento epistêmico. A realidade é encoberta por uma fantasia que faz com que o prisioneiro não se dê conta de seus grilhões e sinta-se até mesmo confortável com eles. Em terceiro lugar, o mito explica a dificuldade da transição por parte de quem descobre a verdade e a resistência a essa verdade por parte de quem ainda não a descobriu. Eu não leio o mito há muito tempo. Mas nunca me esqueço do fato de que, segundo Platão, a luz dói nos olhos daquele que sai da caverna, bem como não me esqueço do fato do acorrentado não querer ser libertado por aquele que volta à caverna. Por sinal, é este o aspecto político do mito: a mentira aprisiona e quem se liberta deve voltar para libertar os demais.

Ora, o libertarianismo diz justamente que somos levados a acreditar que seríamos livres, quando somos prisioneiros. Ele denuncia a oposição entre democracia e liberdade. Ele mostra a conexão entre tributos cobrados pelo Estado e roubo. Assim, o libertário é aquele que diz para o indivíduo que ele está usando grilhões, quando o próprio indivíduo (ainda) não vê esses grilhões.

Muito bem, como Platão explica no mito, não é de se admirar então que sejamos considerados loucos, perigosos, etc... No fim das contas, é muito natural que o indivíduo prefira acreditar que ele já é livre, pois isso é mais cômodo: ele nada teria a fazer! Além do mais, ninguém gosta de trocar de visão de mundo, só para começo de conversa. A revolução interna é muito dolorosa. Exige todo um esforço de reconstrução. Assim, todo um conjunto de mecanismos de defesa é construído pelo grupo social para proteger a ideologia predominante nele. Talvez, tenhamos mesmo algo a aprender com Marx sobre isso. Aliás, vocês já notaram como o discurso do Ron Paul contra a mídia mainstream americana, por exemplo, às vezes, se parece bastante com o discurso de um marxista tupiniquim contra a rede Globo e cia? Nos dois casos, diz o denunciante, a grande mídia seria usada para propaganda ideológica do status quo. A esse respeito, Ron Paul também fala sobre o modo como as escolas são usadas para a propagação e manutenção da ideologia estatista. Todavia, feito o discurso, um mecanismo de defesa da ideologia garante que seu desafiador seja visto como alguém a ser desacreditado: "x é um extremista (não ouça os extremistas), y é um moderado (ouça os moderados)". A sociologia do conhecimento descreve bem esse fenômeno segundo o qual uma ideologia se protege via ad hominem, interpretando seu crítico como alguém que não merece ser ouvido. Eu recomendo este livro a quem queira aprender mais sobre esses mecanismos.

Agora, eu sei, vocês, amigos libertários, devem estar bravos comigo por eu ter dado munição a quem nos compara com os marxistas. Mas, calma, a minha comparação para por aí mesmo: os dois grupos, libertários e marxistas, consideram que saíram da caverna, no sentido de terem alcançado um estágio no qual se tem consciência dos grilhões a respeito dos quais as massas nada sabem. Ressalto agora que existem diferenças fundamentais nas atitudes políticas dos libertários e dos marxistas. Ou, acaso, vocês já viram o Ron Paul incendiando algum carro da CNN? O que o Ron Paul fez em vez disso? Simples, ele lançou seu próprio canal na internet e convidou as pessoas a usarem o controle remoto para desligarem suas TVs. 

A atitude do Ron Paul é libertária, porque não envolve qualquer agressão. Para um libertário, a força só pode ser usada contra quem a inicia e, mais, em uma proporção adequada como reação. Nesse sentido, nós ouvimos libertários pregando, por exemplo, a sonegação de impostos. Da mesma forma, o sonegador teria direito de usar a força para resistir a prisão. Mas ele não pode atacar indivíduos que digam não compartilhar de sua crença quanto à realidade violenta da democracia em que vivemos. Acima de tudo, para libertários, não existe violência "simbólica". Independentemente da eficácia do ato, você não pode destruir propriedade privada alheia para chamar a atenção para sua causa. Em suma, uma revolução libertária, ao contrário de uma revolução marxista, seria um movimento de resistência pacífica frente às forças do Estado. Nós só usaríamos a força quando os agentes do Estado iniciassem a força para nos obrigar a obedecer.

Por isso, estatistas, vocês não precisam nos temer, viu? Nós não arrancaremos à força os seus confortáveis grilhões. Nós apenas estaremos aqui, argumentando, e esperando o dia em que vocês perderão o medo de nos ouvir. E, se querem saber, aqui fora não é mais tão ruim quando seus olhos se acostumam com a luz e param de doer...