No último post, eu comentei o que considero ser a grande contribuição de Mill ao liberalismo clássico/libertarianismo: sua crítica à democracia, ou às tentativas de compensar perdas no que Berlin viria a chamar de "liberdade negativa", o espaço de não-interferência na vida dos indivíduos, por ganhos no que Berlin chamaria de "liberdade positiva", auto-governo. Mill tem razão. Quando o poder deixou de ser exercido explicitamente por oligarquias e passou, em tese, para as mãos do povo, criou-se a falsa impressão de que as reivindicações liberais por um espaço de não-interferência na liberdade individual não fariam mais sentido, estariam historicamente superadas. Ledo engano. Por mais autêntica que seja a democracia, a liberdade positiva ou auto-governo não substitui a liberdade negativa ou não-interferência, pelo simples fato de que não se trata aqui do governo do indivíduo sobre si mesmo. Trata-se apenas e tão somente do direito do indivíduo a um voto na multidão, sem que o indivíduo sequer precise dar seu consentimento explícito para que uma dada matéria torne-se ponto de pauta para uma assembleia. Em suma, basta que lhe dêem o direito a um voto e decidem até se você pode fumar ou beber, por exemplo.
Kant, ao contrário de Mill, não parece ter estado suficientemente atento para a necessidade de que a tal "vontade geral" ou "vontade unida do povo" seja devidamente limitada. Ele defendia o direito de que o sujeito fosse senhor de si, é verdade. Mas, conforme a letra do texto, ele também pensava que essa autonomia jurídica deveria ser exercida como soberania popular, pois ele permite que a lei para o indivíduo seja dada por ele mesmo na companhia dos outros. No fim das contas, isso significa que uma instituição - seja ela representada por uma assembleia ou por um indivíduo - tem o direito de agir contra o consentimento explícito de um indivíduo, alegando representar a vontade geral, que, teoricamente, inclui a vontade desse indivíduo, ao menos enquanto vontade racionalmente considerada.
Claro que Kant não pensava no voto de uma maioria esmagando o indivíduo. Ele nem sequer acreditava que a vontade geral coincidisse com a vontade de todos empiricamente unificada em um plebiscito. No entanto, o soberano legisla em nome dessa vontade geral - uma ideia racional do que todos deveriam querer - e eu não vejo em Kant uma defesa forte o bastante dos limites dessa legislação, por mais que ele tenha criticado tanto o paternalismo do Estado, que tenta fazer o súdito feliz, quanto a pretensão do Estado que tenta transformar o indivíduo em um ser virtuoso. Por exemplo, Kant não disse claramente que o princípio universal do direito ou o direito inato à liberdade deveria limitar e determinar o princípio do contrato, embora eu ache que essa seja a melhor interpretação de sua posição.
Claro que Kant não pensava no voto de uma maioria esmagando o indivíduo. Ele nem sequer acreditava que a vontade geral coincidisse com a vontade de todos empiricamente unificada em um plebiscito. No entanto, o soberano legisla em nome dessa vontade geral - uma ideia racional do que todos deveriam querer - e eu não vejo em Kant uma defesa forte o bastante dos limites dessa legislação, por mais que ele tenha criticado tanto o paternalismo do Estado, que tenta fazer o súdito feliz, quanto a pretensão do Estado que tenta transformar o indivíduo em um ser virtuoso. Por exemplo, Kant não disse claramente que o princípio universal do direito ou o direito inato à liberdade deveria limitar e determinar o princípio do contrato, embora eu ache que essa seja a melhor interpretação de sua posição.
O princípio do contrato, grosso modo, diz que o soberano só pode impôr ao indivíduo o que cada um poderia impôr a si mesmo. É isso que significa ser senhor de si mesmo na companhia de outros. O problema dos liberais com isso é que o soberano pode interpretar como ele bem entender o que seria razoável para o indivíduo aceitar. Não há a necessidade do consentimento explícito de cada um. Como explica Berlin, o soberano respeita uma ideia de vontade racional do indivíduo, não a vontade de fato do indivíduo. Atento a isso, Mill diz claramente que precisamos de um princípio para sabermos onde vamos traçar o limite do que o soberano pode decidir forçar o indivíduo a fazer contra sua vontade empiricamente considerada. Agora, embora Kant não tenha dito o mesmo com todas as letras, eu defendo que o princípio que Kant tinha à sua disposição para limitar o direito de coerção externa era muito melhor do que o de Mill. Vejamos.
Segundo Mill, o princípio que separa as interferências governamentais legítimas das ilegítimas é o "princípio do dano". Mill defende que a auto-proteção é o único princípio que legitima interferências na liberdade de ação de qualquer número de membros de uma sociedade. Ele entende por isso que o poder só pode ser exercido, em conformidade com o direito e contra a vontade de qualquer membro da comunidade, se o objetivo é evitar danos a terceiros.
Ora, à primeira vista, isso parece uma perfeita formulação do princípio da não-agressão dos libertários, o famoso PNA. Pois eu alego que, bem pelo contrário, esse é um princípio coletivista que deixa entrar pela porta dos fundos toda a ameaça de tirania que Mill tentou expulsar pela porta da frente.
O ponto central é: Como defino um dano? Dano a quê? Um dano pode ser um mero efeito indesejado em minha vida. Um dano pode ser consentido. Por exemplo, você resolve usar drogas. Em um primeiro momento, eu não posso proibi-lo de fazê-lo de acordo com o princípio do dano, afinal, Mill diz claramente que não se trata de impôr a alguém o que, supostamente, seria melhor para ele mesmo. Só que a família de um usuário de drogas pode ser prejudicada por suas ações. Eles podem ter que acordar no meio da madrugada para socorrem o usuário em uma emergência. Eles podem ter que cobrir os custos materiais da droga na vida desse indivíduo. Eles podem simplesmente sofrer emocionalmente ao assistirem a decadência de um ente querido. Isso tudo não conta como dano?
Mas a questão é o sentido do "ter que" acima. Você não é forçado a socorrer seu ente querido financeiramente. Você pode escolher pagar o preço de vê-lo sofrendo. Em suma, você o socorre, porque quer, a menos que ele tenha chegado ao ponto de apontar uma arma para sua cabeça. Enquanto não chegarmos a esse ponto, existe dano, mas não existe dano à liberdade. Em outras palavras, o princípio do dano abre as portas para restrições de sua liberdade em ações em que você não restringiu a liberdade de ninguém.
A coisa fica ainda pior. Eu disse acima que você pode escolher omitir socorro. Portanto, nesse caso, se você sofre um dano causado pelo seu ente querido, esse dano é consentido por você. Mas não é bem assim no cenário do princípio do dano, porque Mill ainda admite explicitamente que o princípio legitima também a coerção à performance de atos individuais de beneficência. Em outras palavras, amigos libertários, Mill, de bom grado e conscientemente, abre as portas para deveres positivos.
Por fim, eu quero expor também meu descontentamento com o fundamento utilitarista do princípio do dano. Já disse aqui e repito: utilitarismo é coletivismo; se advogada pela causa da liberdade individual, é só como meio. Isso fica claro no texto de Mill quando ele nos diz que o princípio último de todas as questões de ética é a utilidade em sentido amplo, definida como: os interesses permanentes do homem como um ser que progride. Quer dizer, no fim, não importa a sua vontade de fato, os seus interesses particulares, mas, assim como para os democratas, está em jogo um conjunto de interesses abstratamente considerados, a serem definidos pelos legisladores e opostos aos cidadãos reais, empiricamente tomados. Se se deixa espaço para a manobra dos indivíduos reais, é apenas porque se acredita que essa margem de não-interferência serve a esse homem abstrato a ser sempre aperfeiçoado.
Bom, e Kant? Kant pode até ter se degenerado depois, no desenrolar de sua filosofia política, mas, como bem aponta Berlin, ele começa como um genuíno individualista. A humanidade na sua pessoa é digna de respeito absoluto. Isso implica que você pode ser restrito na busca dos seus fins, mas jamais pode ser usado como um meio para quaisquer fins, como, por exemplo, o progresso da humanidade em seus "interesses permanentes".
O que está em jogo é justamente qual o princípio que orienta essa restrição da liberdade do indivíduo na busca de seus fins privados. É nesse momento que Kant formula o PNA melhor que qualquer libertário de carteirinha. A liberdade só pode ser restrita em nome dela própria: é permitida apenas a coerção da coerção. Se minha liberdade pode coexistir com a sua e, mesmo assim, você me restringe, aí sim, você me causa dano: dano à liberdade! Para Kant, não cabe ao direito interferir se um dano foi causado apenas graças ao consentimento daquele que o sofreu.
Por isso que, diga-se de passagem, em Kant, não cabe o conceito de "coerção moral" cunhado por Mill. De acordo com Mill, interferências na liberdade também podem ser morais, e não apenas físicas, no sentido em que alguém pode sofrer como sanção uma reprovação. Ora, isso não cabe em Kant. É verdade que posso ser moralmente punida pela reprovação do juízo alheio. Mas o seu mero juízo não restringe meu arbítrio. Eu posso continuar fazendo as mesmas coisas que você reprova, enquanto você meramente expressa sua reprovação. Assim, pode ser anti-ético que você me censure sem boas razões, mas não é uma violação de direitos meus, porque eu não tenho um direito à sua aprovação. Esse é mais um benefício do modo preciso como Kant distingue ética e direito, coisa que Mill não fez.
Voltando ao exemplo do usuário de drogas, eu posso sofrer se escolho não ajudar meu ente querido em sua decadência. Mas nem todo sofrimento é uma violação de um direito meu, ou seja, uma restrição de minha liberdade. Eu não tenho o direito de não ser emocionalmente magoada ou de não ser contrariada. Uma ameaça qualquer de sofrimento, por si só, não restringe minha liberdade.
Por exemplo, uma coisa é dizermos: "se você bater em João, não falo mais com você". Aqui, o indivíduo fica perante uma simples escolha: ou bate no João, ou continua falando comigo, sendo que ele não pode reivindicar um direito a uma coisa ou a outra. Ele não tem direito à minha ação de conversar com ele. Eu não tenho a obrigação de falar com ele, ou eu seria uma escrava dele, em vez de um ser livre. Da mesma forma, ele não tem o direito de usar o corpo de João como saco de pancadas, ou João seria um escravo dele, em vez de um ser livre. Assim, a liberdade do sujeito fica preservada na encruzilhada em que eu o coloco. Ele escolhe. Não poder ter as duas coisas não é sinal de falta de liberdade.
Agora, se eu digo: "se você bater no João, eu mato você, ou prendo você, ou tomo sua propriedade", a coisa muda de figura. Você tem o direito de não ser morto, não ter seu corpo aprisionado e não ter sua propriedade levada, porque a sua liberdade é restringida em qualquer um desses casos. Adotar esse tipo de ação contra você claramente restringe sua liberdade. Por que eu teria o direito de restringir sua liberdade? Na verdade, eu não tenho. Só passo a ter se você bater em João, ou seja, restringir a liberdade dele primeiro. A minha ameaça só é legítima, porque ela visa obstruir uma escolha ilegítima.
Tudo mudaria se eu dissesse: "se você não falar mais comigo, eu mato você". Aqui, ao não falar com você, eu não restrinjo sua liberdade. Eu apenas deixo de prover você com o que você considera um bem: minha companhia. Ao me matar, porém, você restringe minha liberdade terminantemente.
Já fica implícito aqui que o princípio de Kant ainda tem a vantagem de excluir explicitamente as ações de benevolência do âmbito do direito, reservando-as para a ética, ao afirmar que o direito não trata da relação do meu arbítrio com seus fins (necessidades ou desejos), mas sim de uma relação externa e formal entre nossos arbítrios, em que se analisa apenas se um arbítrio impediu o outro.
Enfim, por essas e outras, acredito que libertários devamos "perdoar" a filosofia política de Kant e abraçarmos como PNA o princípio universal do direito que diz que a minha ação é conforme ao direito (portanto, não pode ser impedida), quando pode coexistir com a liberdade de todos os outros conforme uma lei universal. Se você acredita que o papel do direito é ser um garantidor da liberdade individual, pronto, o princípio é esse. Se o próprio Kant foi sempre fiel a ele, é outra história. Podemos nos apropriar do que nos interessa em um autor, deixando o resto lá.
Ora, à primeira vista, isso parece uma perfeita formulação do princípio da não-agressão dos libertários, o famoso PNA. Pois eu alego que, bem pelo contrário, esse é um princípio coletivista que deixa entrar pela porta dos fundos toda a ameaça de tirania que Mill tentou expulsar pela porta da frente.
O ponto central é: Como defino um dano? Dano a quê? Um dano pode ser um mero efeito indesejado em minha vida. Um dano pode ser consentido. Por exemplo, você resolve usar drogas. Em um primeiro momento, eu não posso proibi-lo de fazê-lo de acordo com o princípio do dano, afinal, Mill diz claramente que não se trata de impôr a alguém o que, supostamente, seria melhor para ele mesmo. Só que a família de um usuário de drogas pode ser prejudicada por suas ações. Eles podem ter que acordar no meio da madrugada para socorrem o usuário em uma emergência. Eles podem ter que cobrir os custos materiais da droga na vida desse indivíduo. Eles podem simplesmente sofrer emocionalmente ao assistirem a decadência de um ente querido. Isso tudo não conta como dano?
Mas a questão é o sentido do "ter que" acima. Você não é forçado a socorrer seu ente querido financeiramente. Você pode escolher pagar o preço de vê-lo sofrendo. Em suma, você o socorre, porque quer, a menos que ele tenha chegado ao ponto de apontar uma arma para sua cabeça. Enquanto não chegarmos a esse ponto, existe dano, mas não existe dano à liberdade. Em outras palavras, o princípio do dano abre as portas para restrições de sua liberdade em ações em que você não restringiu a liberdade de ninguém.
A coisa fica ainda pior. Eu disse acima que você pode escolher omitir socorro. Portanto, nesse caso, se você sofre um dano causado pelo seu ente querido, esse dano é consentido por você. Mas não é bem assim no cenário do princípio do dano, porque Mill ainda admite explicitamente que o princípio legitima também a coerção à performance de atos individuais de beneficência. Em outras palavras, amigos libertários, Mill, de bom grado e conscientemente, abre as portas para deveres positivos.
Para Mill, não apenas nossas ações, mas também nossas omissões podem causar danos a terceiros, de forma que você deve prestar contas pela injúria da omissão. Ora, nada mais anti-libertário do que isso! A boa lição de Nozick é que, do fato de podermos impedir um dano, mas não o fazermos, não decorre que tenhamos sido a causa do dano. Nozick aponta que só seríamos a causa do dano por omissão, justamente se fosse pressuposto que tínhamos a responsabilidade ou o dever de agir quando nos omitimos. É verdade que Mill diz que os casos em que somos responsabilizados por omissões são de exceção, mas fica aberto mais um flanco para ataques contra a liberdade.There are also many positive acts for the benefit of others, which he may rightfully be compelled to perform...
Por fim, eu quero expor também meu descontentamento com o fundamento utilitarista do princípio do dano. Já disse aqui e repito: utilitarismo é coletivismo; se advogada pela causa da liberdade individual, é só como meio. Isso fica claro no texto de Mill quando ele nos diz que o princípio último de todas as questões de ética é a utilidade em sentido amplo, definida como: os interesses permanentes do homem como um ser que progride. Quer dizer, no fim, não importa a sua vontade de fato, os seus interesses particulares, mas, assim como para os democratas, está em jogo um conjunto de interesses abstratamente considerados, a serem definidos pelos legisladores e opostos aos cidadãos reais, empiricamente tomados. Se se deixa espaço para a manobra dos indivíduos reais, é apenas porque se acredita que essa margem de não-interferência serve a esse homem abstrato a ser sempre aperfeiçoado.
Bom, e Kant? Kant pode até ter se degenerado depois, no desenrolar de sua filosofia política, mas, como bem aponta Berlin, ele começa como um genuíno individualista. A humanidade na sua pessoa é digna de respeito absoluto. Isso implica que você pode ser restrito na busca dos seus fins, mas jamais pode ser usado como um meio para quaisquer fins, como, por exemplo, o progresso da humanidade em seus "interesses permanentes".
O que está em jogo é justamente qual o princípio que orienta essa restrição da liberdade do indivíduo na busca de seus fins privados. É nesse momento que Kant formula o PNA melhor que qualquer libertário de carteirinha. A liberdade só pode ser restrita em nome dela própria: é permitida apenas a coerção da coerção. Se minha liberdade pode coexistir com a sua e, mesmo assim, você me restringe, aí sim, você me causa dano: dano à liberdade! Para Kant, não cabe ao direito interferir se um dano foi causado apenas graças ao consentimento daquele que o sofreu.
Por isso que, diga-se de passagem, em Kant, não cabe o conceito de "coerção moral" cunhado por Mill. De acordo com Mill, interferências na liberdade também podem ser morais, e não apenas físicas, no sentido em que alguém pode sofrer como sanção uma reprovação. Ora, isso não cabe em Kant. É verdade que posso ser moralmente punida pela reprovação do juízo alheio. Mas o seu mero juízo não restringe meu arbítrio. Eu posso continuar fazendo as mesmas coisas que você reprova, enquanto você meramente expressa sua reprovação. Assim, pode ser anti-ético que você me censure sem boas razões, mas não é uma violação de direitos meus, porque eu não tenho um direito à sua aprovação. Esse é mais um benefício do modo preciso como Kant distingue ética e direito, coisa que Mill não fez.
Voltando ao exemplo do usuário de drogas, eu posso sofrer se escolho não ajudar meu ente querido em sua decadência. Mas nem todo sofrimento é uma violação de um direito meu, ou seja, uma restrição de minha liberdade. Eu não tenho o direito de não ser emocionalmente magoada ou de não ser contrariada. Uma ameaça qualquer de sofrimento, por si só, não restringe minha liberdade.
Por exemplo, uma coisa é dizermos: "se você bater em João, não falo mais com você". Aqui, o indivíduo fica perante uma simples escolha: ou bate no João, ou continua falando comigo, sendo que ele não pode reivindicar um direito a uma coisa ou a outra. Ele não tem direito à minha ação de conversar com ele. Eu não tenho a obrigação de falar com ele, ou eu seria uma escrava dele, em vez de um ser livre. Da mesma forma, ele não tem o direito de usar o corpo de João como saco de pancadas, ou João seria um escravo dele, em vez de um ser livre. Assim, a liberdade do sujeito fica preservada na encruzilhada em que eu o coloco. Ele escolhe. Não poder ter as duas coisas não é sinal de falta de liberdade.
Agora, se eu digo: "se você bater no João, eu mato você, ou prendo você, ou tomo sua propriedade", a coisa muda de figura. Você tem o direito de não ser morto, não ter seu corpo aprisionado e não ter sua propriedade levada, porque a sua liberdade é restringida em qualquer um desses casos. Adotar esse tipo de ação contra você claramente restringe sua liberdade. Por que eu teria o direito de restringir sua liberdade? Na verdade, eu não tenho. Só passo a ter se você bater em João, ou seja, restringir a liberdade dele primeiro. A minha ameaça só é legítima, porque ela visa obstruir uma escolha ilegítima.
Tudo mudaria se eu dissesse: "se você não falar mais comigo, eu mato você". Aqui, ao não falar com você, eu não restrinjo sua liberdade. Eu apenas deixo de prover você com o que você considera um bem: minha companhia. Ao me matar, porém, você restringe minha liberdade terminantemente.
Já fica implícito aqui que o princípio de Kant ainda tem a vantagem de excluir explicitamente as ações de benevolência do âmbito do direito, reservando-as para a ética, ao afirmar que o direito não trata da relação do meu arbítrio com seus fins (necessidades ou desejos), mas sim de uma relação externa e formal entre nossos arbítrios, em que se analisa apenas se um arbítrio impediu o outro.
Enfim, por essas e outras, acredito que libertários devamos "perdoar" a filosofia política de Kant e abraçarmos como PNA o princípio universal do direito que diz que a minha ação é conforme ao direito (portanto, não pode ser impedida), quando pode coexistir com a liberdade de todos os outros conforme uma lei universal. Se você acredita que o papel do direito é ser um garantidor da liberdade individual, pronto, o princípio é esse. Se o próprio Kant foi sempre fiel a ele, é outra história. Podemos nos apropriar do que nos interessa em um autor, deixando o resto lá.