Tá bom, já vou confessar o título enganoso. Claro que um bloguizinho qualquer como este não vai te dizer em um post o que é ser filósofo. Se este fosse um blog honesto, o título deste post seria: "notas sobre o modo como vejo o ofício do filósofo", ou "considerações a partir da minha visão da atividade do filósofo", ou qualquer outro desses títulos que inventamos quando só queremos dar uns pitacos sobre o assunto, sem a pretensão de esgotá-lo. O negócio é que, como boa blogueira, eu já aprendi com os jornalistas que convém sensacionalizar nos títulos para garantir o "click" :-)
Enfim, vamos ao que interessa. O fato é que uns 16 anos depois de ter feito minha escolha profissional, apesar de todos os pesares da vida acadêmica, ainda estou convicta dela. Se eu pudesse voltar atrás, ainda chocaria minha mãe, contando que me inscrevi para o vestibular de filosofia. Na verdade, quando ela começasse a me dizer que eu não precisava escolher o vestibular mais fácil, pois não tinha problema se eu demorasse anos para entrar na universidade, eu daria a mesma resposta que dei em 1996, só que com ainda mais convicção: "é filosofia mesmo que eu quero!"
Sendo assim, eu mesma me pergunto o que eu encontrei na filosofia que tanto me realizou. Quer saber? Em um mundo tão louco, na filosofia, ainda pude encontrar a tal da racionalidade. Era só isso que eu estava procurando quando, aos 16 anos, decidi dedicar minha vida à filosofia. Eu não queria mudar o mundo, eu não queria provar a validade de alguma convicção... A bem da verdade, eu nem tinha nenhuma convicção, eu só fazia uma pergunta obsessivamente: "existem razões para fazermos algo ou acreditarmos em algo?" Eu era, portanto, o perfeito produto de um mundo já secularizado há muito, que havia vivido há pouco a queda de um muro e, com ele, do comunismo. Não havia mais nenhuma religião disponível para mim! Claro, meus colegas, como muitos jovens de hoje, tolos e insensíveis, ainda eram evangélicos determinados ou militavam ferozmente em partidos políticos radicais. Mas não eu! Aos 16 anos, a minha alma já abrigava todo o ceticismo que o ser humano poderia suportar. Só na filosofia, eu poderia encontrar refúgio.
Se alguém consultar o meu lattes, verá então que meu primeiro artigo, publicado por volta dos meus 19 ou 20 anos, versava justamente sobre o problema da fundamentação última na filosofia contemporânea. Basicamente, o problema, puxando pela memória, era o seguinte: se seguirmos oferecendo razões para nossas conclusões, sejam elas teóricas ou práticas, chegaremos a um ponto em que uma razão terá que ser aceita por si mesma, sem ulterior justificativa, o que seria literalmente "pedir o princípio"; ou andaremos em círculos, pressupondo na justificativa aquilo que deveríamos justificar; ou então seguiremos ao infinito, com a oferta de uma razão para outra.
Eu não me lembro como eu concluía o artigo, que analisava essa questão perante as filosofias de Habermas e Appel. No entanto, eu posso dizer que, ainda hoje, não estou certa de que o trilema que delineei acima possa ser vencido e, portanto, que alguma crença possa ser completamente justificada. Os argumentos transcendentais, aos quais venho dedicando toda minha vida acadêmica, possuem a pretensão de fundar os princípios que fundam a própria discursividade objetiva. Todavia, não estou plenamente convicta da validade de nenhum deles.
O que então me satisfaz tanto na filosofia? O que é a racionalidade que penso ter encontrado? Justamente, a oportunidade de viver testando os limites da razão. Enquanto colegas de outras áreas de humanas gostam de falar de suas lutas e pressupõem com elas o caráter absoluto de valores pelos quais parecem dispostos até a morrer ou matar, eu encontrei a paz na incerteza da reflexão incessante. Minha realização não se dá no ato de moldar o mundo conforme um sistema de valores, que, bem provavelmente, nem será mais meu em 2 ou 3 anos. Eu me realizo andando pela fronteira dos paradigmas que aceito momentaneamente, medindo-os contra paradigmas concorrentes e vendo como eles se saem no embate.
Eu quero interpretar, mais do que o mundo, a nossa própria capacidade de interpretar o mundo. Outros - cheios de convicção, e sem nenhuma razão - tratarão sempre de mudar o mundo... e ele ainda será sempre o mesmo.
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