A coerência é sempre uma cobrança justa! Por isso mesmo, tratamos com escárnio aquele que se diz socialista enquanto acumula fortuna (Plínio, eu estou falando de você) ou simplesmente se deleita com os prazeres do consumo capitalista que, obviamente, teriam que ser extirpados em um planetinha finito onde 7 bilhões de pessoas viveriam um "igualitarismo radical".
Mas o duro é que eu, que atiro a pedra mais pesada que eu puder no socialista de terno Armani com iPhone no bolso, aparentemente, também tenho meu telhado de vidro. Está escrito aí no meu perfil: sou servidora pública. Eis aí, por sinal, uma coisa de que me envergonho profundamente na vida! No entanto, este post não é para fazer um mea culpa e muito menos para anunciar um pedido de exoneração. Eu quero apenas prestar justas contas àqueles que questionam o fato de uma libertária simpatizante do anarco-capitalismo estar servindo ao Leviatã. Trata-se, afinal, de responder a uma objeção ad hominem, que, embora não afete a causa libertária em si, merece uma resposta por colocar em cheque a minha competência para me colocar como defensora de tal causa.
O ponto que me parece passar despercebido àquele que pensa que os libertários não poderiam ocupar cargos públicos (ou mesmo gozar de serviços públicos) é que o Estado, ao contrário do consumismo de luxo, não se coloca como uma opção. Sua natureza é exatamente a imposição, que, nós, libertários, julgamos imoral. Agora, uma vez que o Estado nos é imposto, só nos resta viver nele, usando a melhor arma de que dispomos contra ele: a palavra.
Penso que haveria um problema moral se o libertário agisse, por exemplo, como um censor de um Estado ditatorial, podendo ter optado por outras profissões. No caso, nós, professores universitários, ainda gozamos da liberdade para defendermos a ideia de um mundo livre mesmo no seio do Estado, embora eu não saiba por quanto tempo ainda seremos tolerados, a julgar pelas restrições cada vez maiores que alguns esquerdistas querem impor à liberdade de expressão no Brasil. Por essa razão, se formos pensar bem, minha profissão não é assim tão divergente do credo libertário. Eu aceito dinheiro oriundo de violência, é verdade, mas o faço para exercer uma atividade que enfraquece o Estado, e não para fortalecê-lo.
Obviamente, o ideal seria que eu pudesse exercer minha profissão e ser paga com recursos privados, o que significa que eu seria paga com dinheiro voluntariamente empregue para esse fim, e não com um dinheiro tomado à força da população. Mas tenho ainda a dizer em minha defesa que o Leviatã domina com tal violência a educação no Brasil que, na prática, é impossível que se forme um verdadeiro livre mercado, onde um professor simplesmente possa oferecer seu serviço a quem queira pagar livremente por ele.
Suponha que eu peça exoneração e abra minha própria escola, em consonância com os valors anarco-capitalistas. Eu não apenas seria forçada a financiar, através de meus impostos, a concorrência gratuita das escolas do Leviatã, como estaria concorrendo com quem tem o poder de obrigar o público a frequentar as suas escolas. É verdade que o público não seria proibido de frequentar a minha escola. Todavia, como ela não seria certificada pelo Leviatã, por ser uma escola livre, que não seguiria o currículo e demais condições ditadas por ele, o meu aluno seria obrigado a frequentar, paralelamente, alguma outra escola pertencente ao sistema do Leviatã, condição esta que tornaria minha escola atrativa para poucos.
Como competir contra esse sistema? Quem, em sã consciência, se arriscaria em um negócio onde é obrigado a se adequar às normas do concorrente e ainda financiá-lo? "Ah, mas não existem tantas escolas privadas?", diz a sua réplica. Pois eu insisto justamente que elas são parte do sistema, porque são obrigadas a praticar um mesmo currículo, a se adequar às mesmas normas e, eventualmente, até mesmo recebem o mesmo dinheiro extorquido da população. Desse modo, não faz muita diferença, do ponto de vista libertário, ser professor de uma universidade pública ou privada. O ponto é que, uma escola verdadeiramente libertária, além de recusar financiamento público, teria também que recusar a chancela do MEC, oferecendo seu próprio currículo. Porém, ao fazer isso, ela se veria reduzida a um nicho minúsculo do mercado, formado por um público refinado que procura o saber apenas pelo saber, um público que, certamente, não existiria em número suficiente fora das grandes metrópoles. É assim que o Leviatã esmaga o mercado da educação e se apodera à força da minha profissão.
Em suma, a educação, no Brasil, é propriedade do Leviatã. A nós, professores, cabem três opções: ou mudamos de profissão; ou reduzimos nossos rendimentos, lecionando aulas particulares que, dada a conjuntura, seriam mais um "bico" do que uma profissão; ou aceitamos o desonroso dinheiro que vem do Leviatã. Eu, particularmente, aceito o dinheiro sujo do Leviatã, enquanto ele me permitir que eu fale contra ele. Mesmo que eu tivesse disposição para heroína, o que não é o caso, não acho que eu seria mais útil à minha causa se eu pedisse exoneração para montar um carrinho de cachorro-quente, abrindo minha vaga para que ela fosse imediatamente preenchida por mais um ideólogo do estatismo. Se, ao menos, eu pudesse ter meu carrinho sem ter que pedir um alvará e pagar impostos para o sustento de um monstro, quem sabe...
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