domingo, 22 de julho de 2012
Professor pesquisador grevista
Artigos como este da Folha de S. Paulo de hoje ilustram bem o que a maior parte da sociedade brasileira pensa dos professores universitários: somos privilegiados que trabalham pouco e ganham muito; ademais, somos professores por pura falta de competência para trabalharmos no setor produtivo. Na verdade, o professor universitário tem que ouvir aquilo que o brasileiro pensa do professor em geral, mas não tem coragem de dizer sobre os professores do ensino básico. Da boca para fora, todo brasileiro rasga elogios ao professor do ensino básico, mas o contra-cheque deles evidencia muito bem o quanto eles são, de fato, valorizados no Brasil. Nesse sentido, a bronca de gente como o Sr. Alberto Carlos Almeida com os professores universitários se dá por termos um contra-cheque um pouco melhor. Afinal, como pode uma pessoa que, só de formação universitária, tem, no mínimo, 10 anos querer ganhar um bom salário do governo? Bons salários devem ser pagos aos Tiriricas dos cargos eletivos. O privilegiado por ter estudado tanto por toda uma vida e ainda por ter passado em um concurso público deveria se virar por conta própria!
A demagogia do Sr. Alberto Carlos Almeida, naturalmente, é bastante simplista: dinheiro público é para os fracos e oprimidos, não para os mais capacitados. O professor que quer ganhar um bom salário que busque recursos junto à iniciativa privada. Ora, em princípio, como boa libertária, eu iria até além e diria que dinheiro público não é para ninguém. No meu Estado Ultra-Mínimo, ninguém recebe salário público e, muito menos, benefícios ou investimentos públicos. Acontece que a realidade é outra. Eu não vivo no mundo que eu construo nos meus "experimentos de pensamento".
No mundo real, as universidades estão completamente sob a alçada do governo, mesmo quando, poucas (não confundir universidade com qualquer instituição de ensino superior), são privadas. Duvido que exista setor mais regulamentado e impossibilitado de aderir ao livre mercado do que a educação. Portanto, é culpa do profissional da educação que ele não possa obter uma boa remuneração no setor privado? Veja bem, eu estou falando de profissionais da educação, não de funcionários da iniciativa privada que mantém um vínculo com universidades sem dedicação exclusiva e integral. Estes últimos, sim, podem aumentar em muito seus ganhos, mas, obviamente, não enquanto professores pesquisadores. A principal fonte de renda do professor pesquisador como tal é, sim, seu salário público. Tanto que existe regulamentação rígida para a possibilidade de ganhos extras. Por essa razão, causa-me espanto que o Sr. Alberto Carlos Almeida critique os professores que queiram obter maiores ganhos sem uma palavra de crítica ao modo como o governo regulamenta as universidades, como se fosse uma simples questão de alguns professores terem mérito para angariarem recursos para aumentarem seus próprios ganhos junto à iniciativa privada e outros, não.
Independentemente do que possamos pensar sobre a qualidade do trabalho e o nível de empenho de muitos professores universitários, independentemente do que possamos pensar sobre o direito à greve remunerada, o fato permanece: o governo federal ampliou a universidade pública sem investimentos compatíveis e, por outro lado, sem a disposição de privatizá-la. Portanto, o atual governo acelerou bruscamente o processo de sucateamento da universidade pública que já vinha em curso há anos.
O cenário federal faz com que eu me recorde de uma situação paralela na minha própria universidade estadual. A instituição multi-campi onde leciono tem um perfil parecido com o de uma instituição federal, sendo crucial para o desenvolvimento da economia do interior do Paraná. Cabe à universidade capacitar a população do interior para que cada pólo econômico possa se desenvolver na sua especialidade. Daí o surgimento da proposta de criação de várias engenharias, propostas estas encaminhadas ou, no mínimo, fortemente apoiadas por políticos dessas regiões.
Ora, estava eu ocupando a posição de membro de um conselho superior da universidade quando esses processos de criação de novos cursos tramitavam. Ingenuamente, fui favorável a todos, afinal, o desenvolvimento econômico do Paraná estava em jogo. Ingenuamente, olhei com desprezo para o colega bem mais experiente que alertou: "vamos criar todos esses cursos e, daqui a pouco, o nosso salário será o mesmo de um professor do nível básico". Hoje, eu vejo como esse comentário, que eu, à época, rotulei como egoísta e mesquinho, era certeiro. Os políticos, demagogos como o Sr. Alberto Carlos Almeida, querem apenas atender a demanda da população por vagas públicas gratuitas no ensino, ignorando a implicação natural da necessidade de contratação de mais professores funcionários públicos ao preço de salários compatíveis com os ganhos daqueles já contratados. Não se contrata o devido número de professores e nem se reajusta (notar que reajuste não é aumento) devidamente os salários. O resultado disso será aquele previsto pelo meu colega realista: em poucos anos, professores do ensino superior trabalharão nas mesmas condições de professores do ensino básico.
Qual o problema com isso? Muito bem, para cada bom aluno desejoso de uma carreira no ensino básico eu tenho 10 bons alunos ansiosos por uma carreira no ensino superior. É um fato já constatado em pesquisas que apenas uma pequena minoria de alunos do ensino básico queiram cursar uma licenciatura. Geralmente, esses poucos são aqueles que não se julgam aptos à aprovação em um vestibular para outra carreira qualquer. Quando um bom aluno, caso raro, faz essa escolha pela licenciatura, via de regra, ele a faz pensando na carreira superior. Pois bem, transforme a carreira superior no que temos hoje como carreira do professor do ensino básico e o resultado será o desastre total e completo da educação brasileira, que mal tem por onde piorar. Afinal, é o professor do ensino superior quem forma o professor do ensino básico.
Assim, eu concordo que os professores do ensino básico devam receber melhores salários. Não que eu concorde com isso por acreditar que todos os professores que lá estão mereçam ao menos o salário que ganham. Eu concordo, porque eu quero profissionais melhores atraídos para essa profissão. Se, com a desculpa de que outros precisam mais, virarmos as costas para os professores universitários, como quer o Sr. Alberto Carlos Almeida, o resultado é que mesmo o magistério superior será uma carreira que só atrairá analfabetos e meia dúzia de gatos pingados de heróis com vocação para voto de pobreza.
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A diferença entre as remunerações dos diferentes níveis da carreira de professor é absurda. Oitenta por cento dos ingressantes do último concurso para a educação básica em Porto Alegre que conheço tem alguma pós graduação, e parte significativa desse quadro é formada por pessoas que tem ao menos o mestrado. Se o critério para a eleição de remunerações da carreira é o tempo de estudo, então teríamos uma injustiça ocorrendo. Fato é que há muito mais professores para o fundamental e para o médio do que para o ensino superior, por isso paga-se menos. O critério é, antes de qualitativo, quantitativo. Decerto um pesquisador deve receber remuneração adequada, a carreira universitária valorizada e o direito à greve respeitado. O fato de professores universitários, servidores públicos, pleitearem melhores condições de trabalho, inclusas remunerações melhores, não é em nada absurdo somente porque em tese já possuem condições excelentes. Se assim fosse, um juiz de direito nunca faria campanha salarial, ou outras categorias "nichos" de mercado que tem salários muito acima da média brasileira.
ResponderExcluirO que gostaria de apontar referente ao teu texto, professora, é que soa como egoísmo argumentar por essa campanha salarial comparando o trabalho com o restante do magistério. "Sucatear a educação universitária nivelando aos professores da educação básica não é bom, onde iremos parar!" Eu diria: manter sucateada a educação básica com tamanho desnível entre as condições de trabalho ofertadas para professores desta rede e professores universitários é que não é bom. Se o problema da desvalorização da carreira chega às universidades, que bom! - talvez seja a hora de repensar os níveis de ensino pelo todo.
O próprio diagnóstico que apresentaste sobre aqueles que procuram licenciaturas me levaria por este caminho. Ora, por que não advogar por uma profissão valorizada, que atraia boas cabeças, e que, além disso, tenha atratividade em seus vários níveis? Que se escolha ser professor universitário por vocação, não pela disparidade de qualidade de vida alcançada por aqueles que o fazem em comparação com os outros níveis? Que se possa escolher ser um professor da educação básica e não se envergonhar por isso, soando como inapto social para os mortais normais de outras profissões e, como teu texto transparece, para os professores que seguiram o bom e sábio caminho do ensino superior?
ResponderExcluirA prática em sala de aula é a mesma. O que difere é o público alvo e o tempo necessário às pesquisas, à geração de novos conhecimentos. Por estes dois motivos, um professor universitário deveria diferir e ter uma carreira diferenciada dos outros. Mas não no grau em que se dá presentemente.
Espero ter deixado claro que não sou contra à luta da categoria, muito menos favorável que esta luta deva ser desmerecida devido aos argumentos de teu interlocutor. No entanto, esta suposta meritocracia que utilizas para fundamentar teu ponto de vista vem somente fomentar a tese de que participas de uma classe de privilegiados, que lutam por remunerações melhores não por direito (compatível com todas as classes de trabalhadores, independentemente de suas atribuições), mas por serem qualitativamente superiores às outras classes.
A educação universitária não deve, em primeiro grau, ser o bastião de salvação para as pessoas que, ora Deus!, procuram estudos não valorizados nesse mundo que oprime as mentes brilhantes por necessidades mercadológicas. Que seja refúgio sim aos que possam contribuir com a humanidade para aumentar sua gama de conhecimentos, que se remunere por tal trabalho, mas que não se esqueça daqueles que não vivenciam este círculo e que permitem que tal instituição se erija. O professor universitário exerce somente uma das várias funções sociais, assim como um médico ou um varredor de rua. E, neste contexto, outras profissões deveriam propiciar aos que as exercem uma remuneração tão fecunda quanto a de um professor universitário ou a de um médico, ainda que houvesse diferenças devido aos níveis de estudo.
Ora, valorizar a profissão de professor universitário é, antes de tudo, valorizá-la perante um quadro social amplo. Fazê-lo remetendo a uma maioria absoluta que é menos remunerada é no mínimo necessário para uma análise justa. Mas mais do que isso, fazê-lo remetendo à carreira de professor de nível básico de forma pejorativa é no mínimo um desserviço.
Abraços,
Marco
Tudo que meu texto diz é que a carreira universitária segue o mesmo caminho da carreira do magistério básico, jamais que a carreira do magistério básico deveria ter seguido o caminho que seguiu. O que aconteceu com a educação básica é que ela foi universalizada e os investimentos públicos não acompanharam o processo. É exatamente isso que está se passando com as universidades. Daí a minha comparação.
ResponderExcluirAbraços