quinta-feira, 26 de abril de 2012

Uma defesa moral do capitalismo - Parte 01



"Capetalismo", diz a pichação, expressando o que vai pela mente de muita gente. Não é só o lugar comum nos centros de humanidades das universidades públicas, é o próprio imaginário popular. Se os preços sobem no supermercado, se o político é corrompido, se a mulher é criticada por estar gordinha, se a criança passa fome na África... todos os males do universo - sim, se bobear, até os Tsunamis - são atribuídos sem exceção ao capitalismo. Pois, neste post, não pretendo argumentar que, bem pelo contrário, o capitalismo tenderia a gerar inclusão, prosperidade e progresso espiritual e material. Quero apenas sugerir que, moralmente falando, o sistema em si parece ser moralmente irreprochável. Tal tarefa não é tão difícil quando temos em vista uma reflexão sobre os valores que estamos aplicando, quando elaboramos um juízo moral. Basicamente, quero argumentar que os detratores do capitalismo, por um lado, confundem o que é acidental ou mesmo contrário ao sistema com o que lhe seria essencial e, por outro lado, empregam em seus juízos valores morais alheios às concepções filosóficas inerentes ao capitalismo, valores estes que, via de regra, não são explicitados e devidamente fundamentados. Em outras palavras, empregam-se valores intrínsecos a outros sistemas para a avaliação do capitalismo, sem que, no entanto, se tenha o cuidado de formular a situação na forma própria de um embate de valores. Dessa questão de valores, eu trato na segunda parte do post, a ser publicada quando Deus permitir ;-)

Começo então a primeira parte deste texto pelo que eu entendo por capitalismo. Naturalmente, eu não pretendo ter uma definição precisa, porque o conceito é mesmo controverso entre os especialistas. Mas penso que podemos admitir como essencial a toda formulação de um conceito mínimo de "capitalismo" que ele englobe os conceitos de propriedade privada - tanto de produtos e força de trabalho quanto de meios de produção - e de livre mercado. Ora, mas com isso já temos um grande problema, porque "livre mercado" significa um mercado sem interferência política, o que, até onde sei, não se realiza em país nenhum do mundo, desde que a própria moeda de cada mercado nacional é cunhada pelo respectivo governo, o que já implica em uma profunda interferência da esfera política sobre a econômica, causando a artificialização, digamos assim, da última esfera. Note-se como exemplo o modo como governos atuais, como o americano talvez mais notadamente, imprimem moeda para o pagamento de suas próprias dívidas descomunais. Assim, é bastante claro que economias como aquelas de que dispomos hoje não representam o que seria a real economia de um mercado livre. Portanto, pode muito bem não ser verdade que o capitalismo em si gere crises socialmente devastadoras, uma vez que sequer existe capitalismo propriamente dito.

O que distorce mais ainda o conceito de "capitalismo", quando aplicamos o termo querendo designar o sistema econômico atual da maior parte do Ocidente e parte do Oriente, é o fato dos governos, naturalmente, não se limitarem à cunhagem de moeda sem lastro real. Há ainda interferências políticas muitos mais escandalosas, como o exercício do protecionismo e o pagamento de subsídios. Ora, seja lá o que for precisamente que chamaremos de "capitalismo", tem que ser absolutamente avesso ao seu espírito que um empresário seja favorecido pela injeção de dinheiro público em seu negócio e/ou pela compra da sua produção pelo Estado com o propósito do seu benefício. Da mesma forma, é indesculpável, de um ponto de vista capitalista, que um governo escolha beneficiar empresários por meio da imposição de prejuízos aos seus concorrentes, como ocorre com os impostos sob importações. E nem vou falar dos "empréstimos" públicos, pelos quais os governos salvam da falência aqueles que, sabendo disso mesmo, optam por correr riscos irracionais. Praticamente como uma implicação do que venho dizendo, devemos notar que a corrupção não é inerente ao capitalismo, mas sim a esse sistema misto de governo que torna o empresário refém do administrador público, afinal, esse tem o poder de quebrar negócios ou impedir que eles quebrem.

A moral dessa história toda é que o resultado desse sistema econômico misto, ou seja lá como queiram chamá-lo, não pode ser considerado um efeito do capitalismo pelo qual esse deva ser julgado. O sistema realmente existente é tão capitalista quanto, por exemplo, socialista. Porém, as intervenções políticas dos governos, que constroem esses Frankensteins completamente fora de controle, são vendidas como se tivessem apenas o efeito de atenuar os efeitos negativos do capitalismo. Até hoje, vende-se com muito sucesso a ideia de que economias politicamente controladas reuniriam em um modelo só o melhor do mundo capitalista e do mundo socialista. Na verdade, a cada crise que esse modelo híbrido gera, ele se fortalece ainda mais, porque atribui o seu efeito nefasto exclusivamente a um capitalismo puro jamais existente.

Era isto que eu tinha a dizer sobre o falso capitalismo que nos é vendido pelos governos e pelas elites empresariais avessas à concorrência capitalista que controlam esses governos, recebendo a interferência estatal a seu favor. Na parte 02, eu trato do caráter do "capitalismo utópico", assim por dizer, ou seja, daquele capitalismo que jamais saiu dos livros de filosofia e economia.

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