Este breve post tem um objetivo pretensioso: demonstrar o quão pueril é a tentativa de dividirmos todas as posições políticas possíveis em apenas duas, direita e esquerda, abrindo margem somente para a classificação entre os mais ou menos radicais dentro de cada grupo.
Muito bem. Digo que a prática é pueril, porque qualquer criança já se deu conta de que, dado qualquer conceito possível, de fato, é possível dividir todos os objetos possíveis entre aqueles que fazem parte da esfera desse conceito e aqueles que ficam fora dela. Por exemplo, você pode dividir o mundo entre fumantes e não-fumantes. E, então, é claro, você pode estabelecer graus de adesão ao fumo, indo desde aquele ente que nunca tocou em um cigarro (uma pedra em Marte ou minha tia-avó, por exemplo) até aquele que fumou compulsivamente por décadas. Com isso, seu pensamento funciona em uma linha reta, onde cabem todos os objetos, separados apenas conforme sua maior proximidade com cada extremo oposto.
Remontando à origem dos conceitos de direita e esquerda, podemos dividir todas as pessoas entre conservadores e não-conservadores. Mas, agora, eu vou tentar explicar por que tenho a impressão de que esse procedimento não nos ajuda em nada, ao menos em matéria de política.
Retomando a ideia de um conceito A e sua esfera, quando você divide o mundo entre os objetos A e não-A, a rigor, você não determinou em absoluto os objetos não-A. Em outras palavras, juízos do tipo "x é um não-fumante" são juízos infinitos, porque deixam em aberto infinitas maneiras de "x" ser positivamente qualificado, excluindo apenas o predicado "fumante".
Retomando a ideia de um conceito A e sua esfera, quando você divide o mundo entre os objetos A e não-A, a rigor, você não determinou em absoluto os objetos não-A. Em outras palavras, juízos do tipo "x é um não-fumante" são juízos infinitos, porque deixam em aberto infinitas maneiras de "x" ser positivamente qualificado, excluindo apenas o predicado "fumante".
Ora, eu, por acaso, sou "não-fumante". Ao saber disso, porém, tudo que você sabe que eu tenho em comum com "x", na verdade, é a exclusão de um predicado A. Disso, não se pode concluir imediatamente que "x" e eu pertençamos à esfera de um determinado conceito B. Em suma, o fato de "x" e eu não compartilharmos um dado predicado A (não fazermos parte da esfera de um mesmo conceito A), "fumante", não implica que, por outro lado, positivamente, compartilhemos um predicado B (façamos parte da esfera do conceito B).
Parece-me, é verdade, que até teríamos que afirmar que teria que existir algum conceito geral o bastante para englobar a mim e a "x", visto que conceitos são organizados por subordinação. Mas o que importa para o meu ponto é que você não sabe qual é esse conceito na esfera do qual estou na companhia de "x", simplesmente ao saber, sim, que "x" e eu estamos igualmente fora da esfera de um outro conceito.
Parece-me, é verdade, que até teríamos que afirmar que teria que existir algum conceito geral o bastante para englobar a mim e a "x", visto que conceitos são organizados por subordinação. Mas o que importa para o meu ponto é que você não sabe qual é esse conceito na esfera do qual estou na companhia de "x", simplesmente ao saber, sim, que "x" e eu estamos igualmente fora da esfera de um outro conceito.
Você já deve ter entendido onde quero chegar com essa lógica de botequim, não é? Em geral, quem usa as etiquetas "direita" e "esquerda", está aplicando um conceito qualquer com o qual pretende separar todas as posições políticas, tomando juízos infinitos como se eles fossem semanticamente determinantes.
O sujeito diz, por exemplo: "existem aqueles que são socialistas e existem os não-socialistas". Com isso, ele quer dizer que os não-socialistas pertencem todos a uma mesma categoria positiva, no caso: a direita. E é assim que eu acabo lá, jogada no mesmo saco que o Olavo de Carvalho e o Marco Feliciano, como se o fato de não compartilharmos um certo predicado implicasse no fato de compartilharmos um outro predicado determinado.
O sujeito diz, por exemplo: "existem aqueles que são socialistas e existem os não-socialistas". Com isso, ele quer dizer que os não-socialistas pertencem todos a uma mesma categoria positiva, no caso: a direita. E é assim que eu acabo lá, jogada no mesmo saco que o Olavo de Carvalho e o Marco Feliciano, como se o fato de não compartilharmos um certo predicado implicasse no fato de compartilharmos um outro predicado determinado.
Acontece que eu posso usar o mesmo truquezinho lógico. Posso dizer: "existem aqueles que são liberais e existem os não-liberais". Pronto, assim, eu jogo socialistas e fascistas no mesmo saco, como se existisse positivamente o saco "não-liberal", do mesmo jeito que existe o saco "liberal".
Por fim, eu pergunto: o que ganhamos com esses joguinhos de criança? Não seria mais interessante se parássemos de dividir o mundo apenas entre aquilo que somos nós e aquilo que não somos nós, e começássemos a nos empenhar mais pela compreensão positiva do que são esses outros, em suas particularidades, diferenciando-os também entre si? Garanto que, com isso, você não conseguiria dividir o mundo todo em apenas duas categorias, com meras variações internas de grau. Mas por que você quer tanto isso afinal?
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