domingo, 17 de junho de 2012
Ambientalismo como pretexto
A Rio +20 desperdiça dinheiro público em uma reunião obviamente fadada ao fracasso, já que é de se imaginar que líderes de países desenvolvidos não concordarão em frear seu crescimento econômico, quando, pelo contrário, é tempo de se pensar em como acionar novamente os motores europeus e norte-americanos. Menos ainda, é de se pensar que esses países desenvolvidos estejam dispostos a ajudar a alavancar o crescimento "sustentável" do resto do mundo em um gesto de benevolência ambiental. Por sua vez, líderes de países em desenvolvimento - falo da China, por exemplo, não do estagnado Brasil - não concordarão em abdicar da possibilidade de assumirem a dianteira na corrida econômica global, pagando uma suposta dívida gerada pelos que largaram mais cedo nesta corrida e, depois, empacaram. Assim, na Rio +20, o ambientalismo vira um mero pretexto para que um tente prejudicar a performance econômica do outro.
Mas o uso mais canalha da máscara verde talvez nem se dê na conferência oficial das nações, mas sim em um evento hippie paralelo: a pretensiosamente denominada "Cúpula dos Povos". Nesta, o ambientalismo é apenas um novo pretexto para velhas tentativas da imposição autoritária do fim ao pouco que há de livre mercado no mundo. Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma versão verde do outrora badalado "Fórum Social Mundial". Esta versão, é claro, é mais palatável para a mídia, que, desta vez, pode fingir não perceber que o "novo mundo possível" é apenas o velho mundo da foice e do martelo. Vou usar o discurso do sociólogo português Boaventura de Souza Santos apenas como um exemplo para ilustrar o que digo sobre a Cúpula dos Povos ser, acima de tudo, uma cúpula contrária ao livre mercado e ansiosa pela imposição da agenda socialista, e não simplesmente uma liga de ativistas pró-meio ambiente. Veja aqui.
Por outro lado, o desenvolvimento tecnológico gerado pela economia de mercado apresenta tablets e outros dispositivos (como um simples pendrive) que substituem o papel, carros que poluem cada vez menos, usinas nucleares tão seguras quanto hidroelétricas, etc... Mas quem se importa com essas possibilidades na Cúpula dos Povos? Se a meta é a extinção do livre mercado, não se pode aceitar que o próprio possa trazer soluções. Tudo que importa é usar o mandamento catastrofista "temos que salvar o planeta já" para fundamentar imperativos políticos que não abram margem para qualquer discussão ou contrariedade. Nem há tempo para discussões! Oh! A nova estratégia para contenção do capitalismo, em suma, é gritar que nenhum "indivíduo arbóreo" pode ser derrubado em nome do progresso. Se é preciso, eles estão sempre dispostos a se acorrentar no caminho das forças produtivas perfeitamente legais da nossa sociedade, praticando coação da liberdade individual em nome dos interesses do planeta que eles julgam representar, sem, no entanto, possuírem qualquer mandato eleitoral ou cargo oficial para tanto.
Claro que, idealmente, eles tentam compor com a maioria para oprimir a minoria, no caso típico em que a força política anula democraticamente a liberdade do mercado. Mas, quando a estratégia democrática de opressão não funciona, eles não se constrangem em usar qualquer outro meio, afinal, se o fim é nossa própria salvação, justifica-se qualquer meio que possa ser praticado pelos nossos salvadores.
Em suma, o verde, meus amigos, é o novo vermelho...
quinta-feira, 14 de junho de 2012
De novo, o "Bem Comum"
Quem exporta e, consequentemente, lucra com o câmbio valorizado quis nos fazer acreditar que dólar alto representa um bem para o país, e não meramente seu interesse. Ora, eu uso este espaço justamente para defender que não existe tal coisa como o "bem de um país", etc e tal. Sempre há os que são prejudicados ou beneficiados por fatos específicos. No caso, dólar alto faz o lucro de uns e o prejuízo de outros.
Mas, se, quando falamos de um "bem", não entendemos por isso apenas benefícios materiais, ou seja, se quisermos incluir na categoria também os direitos meramente formais ou negativos, então pode existir um referente para o conceito de "bem comum", como aquele bem que pode ser gozado por todos sem que uns sejam prejudicados para que outros possam ser beneficiados.
Direitos negativos, o nome já diz, são direitos que não implicam em ser provido de algo, mas apenas em não ser privado de algo. Por exemplo, todos temos o direito negativo de não sermos agredidos. Para que não sejamos agredidos, porém, não precisamos que outro, por sua vez, seja então agredido (ou, ao menos, não como regra). Assim, a não-violência é um bem que pode ser gozado por todos sem que um tenha que ser privado de algo para que outro seja provido.
Em todos os supostos direitos materiais ou positivos, pelo contrário, se um recebe um bem, outro paga por esse bem, já que um direito positivo seria o direito de ser provido de algo, de tal forma que há de existir um provedor. Claro que podemos pensar em uma sociedade em que todos paguem igualmente pelos benefícios dos quais todos usufruem igualmente. Mas essa sociedade sempre terá membros, ainda que seja uma pequena minoria, que poderiam prover melhor a si mesmos se abandonados a seus próprios esforços em uma sociedade livre e competitiva. Esses membros serão então lesados por um sistema em que todos recebem benefícios iguais mediante pagamentos iguais. O resultado desse sistema, portanto, não pode receber o nome de "bem comum". No máximo, será um sistema pelo bem dos mais fracos, que serão então artificialmente (politicamente) nivelados aos mais fortes.
domingo, 10 de junho de 2012
Por que aprendemos tão pouco?
Parece natural pensarmos que, se tivermos um professor capaz de ministrar uma excelente aula sobre um assunto, então aprenderemos aquele conteúdo ministrado. Enquanto você ouve o professor, tudo faz tanto sentido, as conexões são tão naturais, a estrutura do discurso é tão clara... Como não pensar que você aprendeu? Geralmente, acredita-se que, se você não aprendeu algo de uma aula tão brilhante, é porque se distraiu em algum momento ("não prestei muita atenção nessa parte"), de modo que o professor é melhor ainda se, além de saber expor claramente o conteúdo, ainda tem vocação para showman e consegue entreter os alunos o tempo todo, para que a atenção deles não divirja da aula.
Pois, ao que me parece, nada poderia estar mais equivocada do que essa concepção de educação que toma o professor como o grande agente do processo. Na verdade, lecionar realmente é fantástico para a aquisição do conhecimento... por parte do professor! Como um professor meu me disse durante a graduação, e nunca mais esqueci porque se confirmou na minha própria experiência, só há três maneiras de apreender um conteúdo: 1) lecionando sobre ele; 2) apresentando um seminário sobre ele; 3) produzindo um texto sobre ele.
Se você duvida, faça o teste. Tente escrever uma dissertação sobre um conteúdo que você pensa que domina e veja quanta dificuldade você terá. Por outro lado, você constatará, ao final do processo, que, aí sim, você terá aprendido. Ou ainda, tente explicar para alguém aquilo que você acha que entendeu sobre dado tema. Primeiro, você esbarrará em uma série de lacunas que você não sabia que estavam presentes no seu pretenso conhecimento do tema. Depois, se você persistir, verá que, finalmente, tem um domínio adequado do tema.
Por isso, quer me parecer que o melhor método de ensino estaria centrado na produção do aluno, com o professor como um orientador dessa produção. Imagine, por exemplo, se pudéssemos transformar cada componente curricular de um currículo universitário em uma espécie de projeto que o aluno teria que desenvolver sob supervisão/com orientação. Naturalmente, seria necessário diminuirmos o número de componentes, pois não me parece razoável cobrarmos do aluno a conclusão de 4 ou 5 projetos por semestre, por exemplo. Penso que 2 ou, no máximo, 3 projetos seria uma proposta mais razoável. O número de alunos por professor também teria que ser drasticamente reduzido, mas, com o corte pela metade de componentes curriculares, isso não seria tão custoso. Algumas palestras sobre pontos específicos comuns a vários projetos poderiam ser ministradas a título de auxílio com problemas pontuais. No decorrer do projeto, orientandos e orientadores poderiam se reunir em seminários para exposição de resultados parciais.
Honestamente, acredito que, se fizéssemos assim, os alunos conservariam para o restante da vida muito mais do que conservam hoje de suas experiências acadêmicas. Sem contar que, com a necessidade de uma produção ativa, as tais competências e habilidades de que tanto se fala, finalmente, seriam desenvolvidas. Porém, eu não tenho a menor esperança de algum dia presenciar uma mudança tão radical, mesmo nas universidades. Meu desespero de qualquer evolução significativa tem sua raiz em um ponto em que eu toco constantemente neste blog. Vivemos em uma sociedade em que o indivíduo deve ser inserido em um coletivo para então ser conduzido como gado, com o que o modelo atual de aulas expositivas para plateias silenciosas se ajusta perfeitamente. Portanto, não vejo esperança para qualquer esforço em prol da autonomia do aluno ou de quem quer que seja. Sempre se parte do princípio de que lidamos com uma massa de incapazes, que não pode se responsabilizar por seu próprio destino, ou atingiríamos resultados desastrosos para a sociedade. Por isso mesmo, nossas escolas são apenas fábricas dessa mesma massa de incapazes, que, uma vez formada, aguardará um emprego para exercer o mesmo papel inativo que exercia na escola. Espírito empreendedor? Pois é... se já existiu, morreu, e foi a escola quem matou.
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Acrescento este vídeo, que foi uma sugestão de Fernando Mässen @ferhr
sábado, 9 de junho de 2012
Caridade hermenêutica
Eu devo ser muito lerda mesmo, porque, até hoje, eu ainda não tinha entendido o tal "princípio da caridade hermenêutica". Do modo como haviam me explicado, esse princípio parecia-me muito mais um argumento de autoridade, afinal, foi-me dito: "você pressupõe que o autor esteja certo, por exemplo, porque ele está sendo estudado a mais tempo do que você existe, portanto, se você acha que o argumento dele é inválido, na verdade, o mais provável é que o argumento dele seja válido e você não o compreenda".
Claro que essa explicação subserviente e patético do princípio não faz nenhum sentido, afinal, para começar, o princípio não poderia se aplicar apenas à leitura de autores clássicos. Hoje, depois de ter aprendido na prática do que trata o princípio, através do contato com bons e maus parceiros de argumentação, eu vejo que a caridade hermenêutica é um princípio normativo que deve orientar até nossas conversas de bar. Significa pura e simplesmente que, em vez de tentar distorcer as palavras do outro para tornar o argumento do seu interlocutor mais suscetível à refutação, pelo contrário, você atribuirá àquelas palavras o argumento mais forte que elas puderem suportar, mesmo que seja um argumento que, na realidade, nem tenha de fato ocorrido ao seu interlocutor. Você age assim, porque só uma refutação construída dessa forma pode ter verdadeiro valor epistêmico, o que não se equipara ao simples prazer vaidoso da vitória retórica obtida a qualquer custo.
Experimente dialogar com quem não conforma sua conduta discursiva ao princípio em questão. Você passará muito mais tempo explicando o significado das suas palavras originais do que propriamente construindo argumentos e contra-argumentos. Por outro lado, se você tiver o prazer de encontrar em uma conversa alguém que siga o princípio da caridade hermenêutica, você estará diante de alguém que possivelmente dirá melhor do que você mesmo aquilo que você gostaria de ter dito. Isso, por sinal, para os grandes espíritos, será muito mais prazeroso do que meramente ganhar ou perder uma disputa pessoal.
quarta-feira, 6 de junho de 2012
Sobre menoridade, médicos e padres
Vou contar uma coisa para vocês: tirando Dr. House, o Sherlock Holmes da medicina, detesto médicos! Bom, estou exagerando um pouco. Até tenho simpatia por alguns médicos, mas não pela qualidade de serem médicos. O que acontece para que eu tenha este problema crônico com médicos é que é muito difícil enfiar uma coisa na cabecinha deles: médicos deveriam ser apenas e tão somente profissionais dotados de um saber técnico específico que consultamos mediante pagamento.
Uma comparação: as rosas do meu jardim estão ficando com as folhas esbranquiçadas. Como eu não sou jardineira, eu não sei por que diabos isso está acontecendo. Então, eu vou ligar para um jardineiro e perguntar se ele tem ideia do que seja, se ele precisa vir dar uma olhada ou se pode me orientar por telefone, etc...
Naturalmente, a única coisa que eu espero desse jardineiro para quem vou ligar é que ele me diga se eu posso fazer algo para melhorar o aspecto da planta e também se posso fazer algo para que as folhas não fiquem mais assim futuramente. Eu não quero ouvir nenhuma lição de moral sobre o que eu deveria ter feito para que minhas pobres roseiras não chegassem a esse ponto e nem admitiria algum tom imperativo por parte do jardineiro a respeito do tratamento que devo dedicar às minhas roseiras doravante. Ele me diz as relações de causa e efeito que eu, como leiga em jardinagem, desconheço, e pronto, acabou. É simples assim.
Agora, vai enfiar na cabeça de um médico que ele está para esse jardineiro do mesmo jeito que o paciente está para o dono do jardim! O médico, via de regra, gosta de transformar a relação médico/paciente em uma relação de submissão que está mais para uma relação de pai para filho, com a única diferença de que eles querem ser bem pagos pelos pitos que dão, é claro. Fazem lá um juramento por conta própria e acham que isso confere a eles algum tipo de estatuto moral superior em nossa sociedade. Com o tempo, conquistaram um posto que já pertenceu aos padres!
Reparem bem, hoje em dia, o sujeito não te diz mais: "não posso fazer isso, porque seria pecado". Quando foi a última vez que você ouviu uma sentença desse tipo? Eu devo ter ouvido algo assim da minha bisavó. O que o sujeito diz, hoje em dia, é: "meu médico me proibiu". Claro, também é muito popular a variação: "meu médico mandou...".
Interessantemente, não é só quando você está pagando pela consulta técnica que o sujeito se esquece de quem é o dono do corpo em questão. Muitas vezes, eles dão palpite também quando não são chamados. Garanto que, operar de graça, por exemplo, eles não vão. Agora, quando se trata de distribuir conselhos em tom de mandamento moral... Temos um campeão! Deve haver alguma cadeira só para isso nos cursos de medicina. E, quando não são eles, os próprios neopadres, então são os pacientes carolas que fazem as vezes de interferir na vida alheia espalhando a palavra que ouviram deles. Lembre-se, afinal, que fazem tudo pelo seu bem, para salvarem a sua al... oops... o seu corpo.
Mas o pior mesmo é que, dado o espaço social que esses neopadres conquistaram, agora, eles querem também legislar. "Se beber, não dirija" virou um mandamento acima de todos aqueles 10 que tínhamos que obedecer antigamente. Um dogma inquestionável! Como se uma substância no seu sangue fosse da conta de alguém; como se fosse essa substância, e não um comportamento externo, a causa direta de um acidente qualquer, etc, etc... Quem pode, afinal, discutir com um médico? Se depender dele, dirigir com uma certa substância no sangue será um crime muito mais pesado do que efetivamente matar alguém no trânsito.
Nem a outrora Terra da Liberdade escapou do fascismo médico de nossa época. Em alguns lugares da Califórnia, o sujeito está proibido de fumar dentro da própria casa. Lá na outra costa, enquanto isso, o prefeito de Nova York está de olho no tamanho dos refrigerantes. Daqui a pouco, lá e cá, o nanny-state vai nos fazer comprar açúcar em papelotes, de traficantes!
Enfim, ontem, o papel de tutor era do padre, hoje, pertence primordialmente ao médico, amanhã, ainda outro assumirá a função, e o mesmo fato permanecerá: chega o dia do sistema solar colapsar, mas não chega o dia da tal da humanidade deixar a menoridade.
...
"Esclarecimento [Aufklärung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento [Aufklärung].
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma direção estranha (naturaliter maiorennes), continuem, no entanto de bom grado menores durante toda a vida. São também as causas que explicam por que é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor. Se tenho um livro que faz as vezes de meu entendimento, um diretor espiritual que por mim tem consciência, um médico que por mim decide a respeito de minha dieta, etc., então não preciso esforçar- me eu mesmo. Não tenho necessidade de pensar, quando posso simplesmente pagar; outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis. A imensa maioria da humanidade (inclusive todo o belo sexo) considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, porque aqueles tutores de bom grado tomaram a seu cargo a supervisão dela. Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranqüilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar, no qual as encerraram, mostram-lhes, em seguida, o perigo que as ameaça se tentarem andar sozinhas. Ora, este perigo na verdade não é tão grande, pois aprenderiam muito bem a andar finalmente, depois de algumas quedas. Basta um exemplo deste tipo para tornar tímido o indivíduo e atemorizá-lo em geral para não fazer outras tentativas no futuro.
É difícil, portanto, para um homem em particular desvencilhar-se da menoridade que para ele se tornou quase uma natureza. Chegou mesmo a criar amor a ela, sendo por ora realmente incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer a tentativa de assim proceder. Preceitos e fórmulas, estes instrumentos mecânicos do uso racional, ou, antes, do abuso de seus dons naturais, são os grilhões de uma perpétua menoridade. Quem deles se livrasse só seria capaz de dar um salto inseguro mesmo sobre o mais estreito fosso, porque não está habituado a este movimento livre. Por isso são muito poucos aqueles que conseguiram, pela transformação do próprio espírito, emergir da menoridade e empreender então uma marcha segura."
domingo, 3 de junho de 2012
Democracia x liberdade
Estou sem tempo para o blog em função das avaliações que preciso corrigir com certa urgência, para não prolongar a aflição dos meus queridos alunos. Então, hoje, apenas recomendo este artigo muito interessante do Instituto Ludwig von Mises Brasil. Trata-se de uma crítica contundente à democracia, em nome de uma sociedade baseada em acordos de livre mercado.
Gosto, em particular, do modo como o artigo aborda o mito de que não haveria coação na democracia, uma vez que decisões governamentais seriam, afinal, nossas decisões. É neste sentido que muitos intelectuais contemporâneos, como o "kantiano" (com muitas aspas) Allen D. Rosen, por exemplo, procuram descontruir o problema clássico da legitimidade da coação estatal, em vez de lidar propriamente com ele. Particularmente, penso que essa acabe se configurando como a forma mais traiçoeira de opressão estatal. Mas, enfim, se ficaram curiosos, leiam o artigo, que diz o que penso de modo bastante claro e didático.
sexta-feira, 1 de junho de 2012
Quem formamos em uma graduação em filosofia?
Definitivamente, eu não sou do tipo que sacraliza a palavra "filósofo". Quer dizer, eu não ensino aos meus alunos que os filósofos constituiriam uma casta de gênios ou semi-deuses, apartada do comum dos mortais, cabendo então àqueles mortais que se colocam como alunos de cursos de filosofia o papel de sacerdotes que fariam a intermediação entre os leigos e os iluminados. Não, filósofo, para mim, é qualquer um que se ponha consistentemente a elaborar um sistema claro e bem articulado de posições a respeito de um certo conjunto de questões reflexivas sobre os princípios e valores comumente aceitos em um ou mais dos diversos campos do saber; ou ainda, filósofo também pode ser aquele que meramente saiba formular questões do tipo. Pensando assim, naturalmente, eu incentivo meus alunos a se arriscarem e perseguirem o ideal de, um dia, formularem sua própria filosofia, que, afinal, para merecer esse nome, não precisa apresentar alguma tese inédita capaz de revolucionar a história da humanidade.
Acontece que, dificilmente, ao final de uma graduação em filosofia, o estudante já progrediu o bastante para se apresentar como filósofo, mesmo no meu sentido minimalista. Com isso, eu fico pensando se um curso de filosofia deveria ser considerado um fracasso por causa disso. Concluo que não, porque, a bem da verdade, como sabiamente já reconheceu a própria ANPOF, filósofos nem sequer precisam de cursos formais de filosofia, da mesma forma que graduados em filosofia podem ser, mas não precisam ser filósofos.
Agora, o que se espera então de um graduado de filosofia? Eu pensava nisso há pouco e a pergunta, na verdade, sempre me ocorre quando corrijo avaliações de meus alunos do curso de filosofia. Eu acredito que não tenho o direito de cobrar dos meus alunos que eles já consigam se posicionar de modo autoral diante de um argumento filosófico. No entanto, tenho a convicção de que posso cobrar do meu aluno que ele seja capaz de produzir um texto, oral ou escrito, expondo minuciosa e precisamente um argumento filosófico apresentado por outro. Nesse sentido, fazer um curso de filosofia, não é fazer filosofia, mas é aprender a ler e escrever textos sobre filosofia.
Parece pouco. Alguns colegas dirão que tenho uma visão modesta e até medíocre sobre uma graduação em filosofia. Já eu me pergunto, toda vez que corrijo uma prova: este aluno saberia ensinar isto a alguém? É com tristeza, e uma boa dose de angústia, que, quase na maioria das vezes, respondo que não. Formar um aluno, muitas e muitas vezes, é então fazer a aposta de que ele conseguirá desabrochar como professor de filosofia em alguma parte de seu caminho. Por isso mesmo, até mais do que aquilo que se apresenta no aluno como uma competência adquirida, ao avaliarmos, vale que estejamos atentos para uma postura: o aluno deve entender que, no final das contas, é muito mais grave ser um professor de filosofia do que um filósofo. Professores, afinal, têm alunos...
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