segunda-feira, 5 de agosto de 2013
Libertarianismo: uma questão de fé?
terça-feira, 30 de julho de 2013
O meu libertarianismo
sábado, 27 de julho de 2013
Libertarianismo e pobreza: somos cruéis?
Vou tentar explicar o que tenho em mente. O Charles [outro amigo e colega que participa do grupo] disse que todo mundo aceita o princípio da não-agressão, ou seja, que ninguém defende a agressão. Mas isso não é verdade. Pensemos no seguinte cenário.
Recusamo-nos a fazer uso dos argumentos da escola austríaca de economia [por misturarem axiomas com constatações empíricas], nos atemos aos filósofos morais propriamente e, assim, concedemos ao nosso adversário que o Estado poderia gastar sem gerar pobreza em larga escala a longo prazo, assim como concedemos que o livre mercado não tende necessariamente a gerar sociedades onde os mais pobres, em geral, vivem confortavelmente. Nós provamos, pura e simplesmente, que a situação de livre mercado é uma situação moralmente irretocável.
Muito bem, nós temos então que admitir a possibilidade da existência de extrema miséria em larga escala convivendo com a formação de uma elite econômica muito rica. Agora, nós não podemos provar a priori que as pessoas farão caridade nessa sociedade. Você concede então um cenário em que há miséria e as pessoas vão morrer sem amparo, afinal, mesmo que você se importe com isso, sem poder contar com outros para ajudar, você não resolverá o problema sozinho. Então, surge a seguinte consideração: será que não é razoável aceitar uma agressão aos mais ricos, desde que essa agressão não mude bruscamente sua situação econômica, se o objetivo dessa agressão é salvar a vida de alguém muito pobre? Não é razoável permitir que milionários sejam minimamente agredidos para que os pobres sejam maximamente beneficiados, ao deixarem de perder a própria vida? Suponha que eu tire R$200,00 ao mês dos muitos ricos para comprar remédios para os muitos pobres. Eu estou cometendo uma agressão mínima para provocar um benefício essencial.
Claro, você vai dizer, meu argumento é utilitarista. Mas eu acho que você nem precisa ser propriamente utilitarista para aceitá-lo. Veja que não estou dizendo que, no computo total, ao final do processo, haverá mais felicidade na sociedade do que havia antes. Eu acho perfeito o argumento do Nozick de que a infelicidade de um não é compensada pela felicidade do outro, porque os indivíduos vivem vidas separadas, não são recortes de um todo contínuo. A questão é que quer me parecer que qualquer pessoa razoável permitiria uma pequena agressão a um indivíduo para salvar a vida de outro ou poupar-lhe um grande dano. Por exemplo, eu dou um esbarrão em você para evitar que o outro quebre a perna. É razoável, não é? Eu acho que 90% das pessoas vão abandonar a premissa da não-agressão em sentido absoluto ao se darem conta disso. Imagine o seguinte [aqui, eu achei que ia mandar muito bem]: você não tem R$200,00 para comprar um remédio para uma criança que vai morrer se não tiver acesso a esse remédio; você pede esses R$200,00 ao Bill Gates e a outros; todos se recusam a ajudar; surge a oportunidade de você roubar esses R$200,00 da carteira do Bill Gates; você rouba, compra o remédio e salva a vida da criança; o Bill Gates te denuncia a autoridades (sejam públicas ou privadas); você é punido por roubo. Isso é justo?
...Caramba [aqui, eu me dei conta de que estava falando besteira], espera, acho que é justo, sim. Estou pensando enquanto escrevo. Desculpe por isso! Ocorre que, para que o Estado possa roubar uns trocados do Bill Gates para salvar a vida da criança, você também tem que poder fazer isso no estado de natureza. O Estado não pode ter a licença de fazer algo que você não teria licença para fazer no estado de natureza. Mas imagine uma sociedade onde uns poderiam decidir pelos outros como usar suas propriedades: "olha, você tem muito, portanto, vou tirar um pouquinho só de você e entregar para esse aqui que tem pouco demais". É, acho que uma pessoa razoável não aceitaria isso, não. Eu poderia, por exemplo, tomar o dinheiro que você vai gastar em cerveja hoje à noite [isso é só uma conjectura muito provável, eu não sei se o Aguinaldo vai tomar cerveja hoje à noite] para comprar um casaco para alguém que vi passando frio. Eu justificaria esse ato dizendo que sua dor ao perder a cerveja só hoje não seria nada em comparação com a dor de quem passa uma noite inteira de frio, e pode até morrer desse frio. Mas ninguém razoável aceitaria que cabe a mim (ou a qualquer outro) decidir que a cerveja não é nada para você e o frio é muito para o outro, ou seja, que cabe a mim (ou a qualquer outro) decidir por você se, como e quando usar seus recursos para ajudar o outro. Então... é isso, podemos ficar sem a escola austríaca mesmo. Eu tive uma pequena febre consequencialista que já passou hehehe"
Foi isso! Agradeço ao Alan pela pergunta, a todos pelo debate e ao Aguinaldo por ter puxado minha orelha sobre minha resposta. Posto aqui o texto, porque pode ser uma reflexão útil a quem também se angustia com essas questões. No fim, libertários não somos cruéis. Somos apenas dolorosamente coerentes ;)
quarta-feira, 10 de julho de 2013
A favor da contrapartida social nas universidades públicas
Há pouco tempo, quando a polêmica na ordem do dia dizia respeito ao movimento passe livre, pude observar uma certa unanimidade no cenário liberal/libertário nacional: a solução ideal para o transporte coletivo, para todos, seria o livre mercado, mas, como essa solução não parecia fazer parte de um horizonte próximo, a posição foi pró-tarifa no transporte público, e não pró-subsídio. Ora, qual o problema moral com o passe livre (subsidiado), dentro de uma perspectiva liberal? Ao que parece, seria o fato de alguém que não usa o serviço também estar sendo forçado a pagar por ele.
Na verdade, dentro de uma perspectiva liberal, não é incomum que programas assim sejam aceitos. Diria até que programas sociais não-universais são alternativas que costumam surgir em contextos políticos liberais (mas não libertários, é claro). Enquanto socialistas tendem a ver benefícios sociais como direitos universais, liberais tendem a ver os mesmos benefícios como uma estratégia focada nos mais pobres, até com o fim de manter a ordem jurídica, evitando revoltas populares. Desse modo, o passe livre no transporte público nem seria algo necessariamente escandaloso para a tradição do liberalismo clássico, especialmente se houvesse um recorte para a população de baixíssima renda.
Agora, o fato é que eu não me lembro de ter visto um único liberal defendendo que os mais pobres tivessem suas passagens de ônibus financiadas por toda a sociedade. Eis então que, para meu completo espanto, agora, vejo, sim, muitos liberais completamente estarrecidos diante da proposta do governo de que estudantes de medicina façam dois anos extras de residência médica no SUS, proposta esta que surge diante do fato dos médicos formados não optarem por trabalhar no SUS, em especial, quando se trata de cidades do interior. A título de exemplo, mais da metade dos médicos paranaenses atuam em Curitiba.
Muito bem, concedo de bom grado que a medida seja injustificável no caso de estudantes de universidades particulares. Vou me ater às universidades públicas. Nesse contexto, eu me pergunto: quem pagou a caríssima faculdade de medicina desses doutores que preferem atender em clínicas particulares nas capitais? Ora, todos nós pagamos! Portanto, também pagou por ela aquele doente que está morrendo na fila do SUS. Sim, aquele mesmo que nunca pensou em estudar medicina, aquele que nem sequer concluiu o ensino médio para poder pensar em uma vaga universitária via cotas. Agora, o que o "doutor" que atende na clínica privada tem a dizer como justificativa moral para ter usado em sua formação o dinheiro desse paciente morrendo na fila do SUS? Já que formação superior é um benefício ofertado exclusivamente aos mais fortes (aqueles que conseguem terminar o ensino básico e se manter em uma faculdade), mas também subsidiado pelos mais fracos, não deveria haver ao menos um benefício colateral para estes últimos? Pois não há nenhum!
Diante dessas considerações, eu só posso dizer que me causa desprezo e revolta que as mesmas pessoas que, hoje, se horrorizam com a medida em tela jamais tenham manifestado a menor indignação com essa situação de fato: cursos caríssimos sendo parcialmente pagos por uma população que não usufruirá minimamente deles!
Uma vez que a privatização das universidades não está no horizonte por motivos ideológicos, eu defendo sim, como um atenuante, que aqueles que queiram usufruir de cursos superiores públicos gratuitos precisem oferecer alguma contrapartida à sociedade. Penso, é verdade, que o ideal seria que o governo oferecesse a opção de curso pago para aqueles que não desejassem prestar serviços em contrapartida. Porém, não vejo nada de moralmente errado com a pura e simples exigência de contrapartida. Ninguém, afinal, é obrigado a estudar medicina, muito menos, em uma universidade pública. Portanto, trata-se de um contrato a ser livremente firmado entre governo e candidato. Sendo assim, longe de ser contra a medida do governo, eu defendo sua extensão a todos os universitários de instituições públicas que ainda não tenham se inscrito em vestibulares.
Pois é, sou contra o passe livre... especialmente, para os mais ricos!
terça-feira, 2 de julho de 2013
"Acalma o teu coração!"
domingo, 30 de junho de 2013
Sobre seu direito de se manifestar e meu direito de te ignorar
Taí, talvez, seja essa a única bandeira que eu carregaria em uma manifestação, afinal, é o único direito que eu realmente reconheço: o de que ninguém se ponha em meu caminho enquanto eu também não obstruir o de ninguém mais.
segunda-feira, 24 de junho de 2013
Por que o Neymar vale mais do que eu
Como eu não tenho nenhum problema em valer menos do que o Neymar (ou quem quer que seja), vou expor alguns argumentos, de um ponto de vista libertário kantiano (ou kantiano libertário, como queira), contra esse lugar comum de que haveria alguma injustiça no fato de nós, professores, não sermos tão bem remunerados quanto grandes jogadores de futebol.
A primeira questão que devemos abordar diz respeito àquilo em que consiste o valor de uma pessoa. Ora, como kantiana, só posso dizer que nosso valor como seres humanos reside na boa vontade, ou seja, na vontade moral, entendida como uma vontade que submete interesses egoístas a normas universalmente válidas. Não fôssemos dotados dessa capacidade moral, pelo simples fato de termos uma razão instrumental, isto é, uma razão capaz de calcular os meios para a realização de nossos fins egoístas, valeríamos tanto quanto um animal qualquer, que faça uso, por exemplo, de suas garras para defender seu lugar ao sol.
Por sinal, seguindo ainda o velho Kant, podemos dizer que, se não tivermos como guia a boa vontade, nada mais possui valor em nós. Nossas maiores competências e habilidades, desacompanhadas da boa vontade, perdem completamente qualquer valor que possam ter, podendo mesmo consistir em um mal, como o é a inteligência aguda do sociopata.
Agora, darei ainda um terceiro passo à sombra de Kant, alegando que a vontade moral não determina a escolha positiva de fins particulares que moldam a vida de um sujeito, oferecendo apenas um limite negativo a que tal escolha deve estar submetida. Concretamente, isso significa que não posso escolher tornar-me um assassino em série, visto que meus fins particulares seriam reprovados pelo teste de universalidade com o qual a vontade moral se compromete, porém, posso escolher ser um médico, um gari, um professor... um jogador de futebol. Em suma, para Kant, há uma imensa gama de vidas que podem ser vividas moralmente, portanto, que possuem o mesmo valor moral formal.
Dou mais um passo seguindo meu mestre: a efetivação da boa vontade no íntimo de cada um é um acontecimento insondável. Pense nos mais diversos exemplos de formas de vida e condutas externas plenamente compatíveis com os mandamentos de uma boa vontade. Seria impossível provar que uma ação externamente compatível com uma boa vontade tenha sido ainda oriunda de uma boa vontade. Não tenha em mente apenas o teatro moral que Glauco descreve na República de Platão, onde cada um de nós encenaria o papel da justiça apenas para não sofrermos nós mesmos as injustiças. Kant leva a hipótese da encenação para o interior de nossa própria alma. Quando acreditamos que agimos com uma boa vontade, nada prova que não estejamos nos auto-enganando, escondendo nossos interesses mais mesquinhos de nós mesmos sob a máscara de alguém de quem poderíamos nos orgulhar. Decorre, portanto, que é impossível afirmarmos que o ser humano x teria mais valor que o ser humano y.
Outra premissa que extraio de Kant: valor moral não é preço! É impossível quantificar o valor da boa vontade, simplesmente porque seu valor é absoluto. Logo, mesmo que houvesse um meio de nos certificarmos de que um dado ser humano age segundo uma boa vontade, nem por isso ele teria esse ou aquele preço.
Decorre de tudo que foi dito acima que devemos distinguir radicalmente o valor moral de uma pessoa do preço de sua força de trabalho. Simplesmente, uma coisa nada tem a ver com a outra! Mas, então, como determinamos o preço do trabalho de alguém?
Neste ponto, devemos deixar de lado o imperativo da moralidade e nos voltar para os imperativos de destreza e prudência. Os primeiros dizem que, dados fins arbitrários, devemos escolher os meios apropriados, por exemplo, se quero me tornar uma pessoa mais magra, devo fazer dieta e exercícios físicos. É aqui que posso acabar querendo consultar uma nutricionista e contratar um personal trainer. Note que você não precisa querer emagrecer. O comando apenas ajusta o meio ao fim que você escolher a seu gosto.
Já os segundos, os imperativos de prudência, não partem de um fim arbitrário, mas do fim natural de todo ser racional sensível: a felicidade. Ah, aqui, em especial, está Kant, de novo, jogando água em meu moinho libertário. Os imperativos de prudência são meros conselhos, jamais leis!, porque não se pode definir objetivamente a felicidade, e nem sequer o próprio sujeito pode estar certo do que o faria feliz. Para desespero de alguns, Kant afirma que nem mesmo o conhecimento pode ser uma garantia de felicidade. Ouch! Em outras palavras, felicidade, para Kant, é um conceito meramente subjetivo e contingente (varia de indivíduo para indivíduo, podendo variar até para um mesmo indivíduo), de tal forma que não se pode determinar objetivamente por quais meios seríamos felizes.
Assim, amigos, ao fim e ao cabo, quando se fala de valor enquanto preço, estamos diante de uma teoria subjetiva de acordo com a qual a força de trabalho de um homem me valerá como meio conforme (eu perceba que) sejam os meus fins. Talvez, eu seja de algum valor para quem queira estudar filosofia com auxílio profissional. Mas, certamente, não serei de valor algum a quem goste de se entreter com futebol. Na verdade, ainda que eu possa servir aos fins de quem queira ajuda para estudar filosofia, eu ainda posso ser preterida por outro professor. Por conseguinte, o preço da minha força de trabalho dependerá não apenas da existência contingente de indivíduos cujos fins requeiram meu tipo de destreza como meio, mas também da existência de outros indivíduos capazes de oferecer os mesmos meios.
Conclusão. Por que Neymar vale mais do que eu? 1) Porque mais gente se interessa por futebol do que por filosofia. 2) Porque pouca gente joga futebol como Neymar e muita gente ensina filosofia como eu. "Ah, mas as pessoas deveriam se interessar mais por filosofia e menos por futebol?" Ok, mas seja coerente! Vá em frente e abrace uma teoria objetiva da felicidade humana, ou me mostre que a vida moral só pode ser vivida de uma maneira. De minha parte, prefiro viver em um mundo onde ganho um salário muito menor do que o do Neymar a viver sob a égide do seu totalitarismo!